Detalhe de Cangaceiro (1958), Cândido Portinari
Uma bonita manhã de sol neste Primeiro de Maio, friazinha e
aconchegante como costuma ser as manhãs de outono. Escrevo em uma pequena boulangerie na esquina de casa. Aqui não
acertam nunca o volume do som ambiente, uma desnecessidade dessas casas que
atraem pelas características de abrigo e distração. A música em volume
desproporcional incomoda e afugenta, e por vezes já pensei ser uma técnica
desse pós-capitalismo mambembe, que pensa grandes coisas para fazer dinheiro,
mas se equivoca nas mais simples e por isso segue fracassando nas substanciosas transformações.
Nada mais apropriado pensar no capitalismo que se instala de
maneira insultuosa, o que não significa de maneira vigorosa, em especial no
Brasil. Aqui, seguem os desmontes sociais e trabalhistas conduzido por uma plêiade de velhos incompetentes e corruptos até a medula, que a cada passo
demonstram serem títeres de forças mais poderosas e se acobertam nas
sombras, sejam elas midiáticas, do poder judiciário ou do capital financeiro,
não importa, em algum lugar ou momento se encontram para a articulação contra a
sociedade civil.
Saímos na sexta-feira de uma Greve Geral exitosa, que paralisou
fortemente os serviços, cuja narrativa foi construída tanto pela mídia
corporativa e patronal, de acordo com interesses políticos em conjunção com o empresariado e com
a casta golpista do congresso que votará as mudanças na legislação; como também
pelas chamadas mídias digitais, que se desdobraram para relatar os
acontecimentos em tempo real, com muitas imagens e reflexão crítica.
Neste último caso, o que ocorre é que as postagens de sites
independentes de jornalismo, como Jornalistas Livres e Mídia Ninja, se apoiam
na transmissão em tempo real, em fotos e vídeos, mas com pouco texto crítico,
ao contrário das corporações, que não cansam de “contextualizar” os fatos de
acordo com seus interesses. O que ocorre é que uma legião de simpatizantes
dissemina as postagens provocando uma enxurrada de imagens nas redes, picadas
isoladas de um formidável enxame.
O impacto emocional persiste ao lado das mídias corporativas,
especialmente rádio e TV, que ainda dispõem de capital cultural suficiente para
fazer prevalecer suas estratégias políticas. As grandes transformações
comunicacionais dos últimos anos não contagiaram os fiéis ouvintes e
espectadores, que por conforto intelectual, prosseguem ligados a essa poderosa
narrativa, talvez acreditando que elas não poderiam estar “do lado errado”.
Com o desvirtuamento crasso do relato dos acontecimentos
ocorridos nesta ampla Greve Geral, mais o apoio descarado às mudanças trabalhistas
a favor de uma elite endinheirada, é de se acreditar que a confiança nesse tipo
de narrativa sofra inevitáveis desgastes, pois não é possível construir uma
ficção que prevaleça sobre a dura realidade. Será a persistência dessas
pequenas, porém contínuas picadas, a contraposição narrativa fundamental para
questionar a mentira, a farsa comunicacional.
Já não estou mais entre os que acreditam no fim dessa mídia
corporativa, até porque agora ela se redesenha camaleonicamente e se posiciona
como um sistema de divulgação dos interesses do capital financeiro, formatando-se como um
componente precioso para a disseminação desse discurso. A nova roupagem
aprofunda a desfaçatez, própria desse neoliberalismo ainda mais brutal que o de
vinte anos atrás. É a constituição de um poder não eleito – financeiro,
judicial e midiático – que passa a controlar o poder eleito – legislativo e
executivo – à custa do povo. Será preciso ver até onde isso vai
e como acaba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário