01 maio 2017

Ressonâncias da Greve Geral

Detalhe de Cangaceiro (1958), Cândido Portinari


Uma bonita manhã de sol neste Primeiro de Maio, friazinha e aconchegante como costuma ser as manhãs de outono. Escrevo em uma pequena boulangerie na esquina de casa. Aqui não acertam nunca o volume do som ambiente, uma desnecessidade dessas casas que atraem pelas características de abrigo e distração. A música em volume desproporcional incomoda e afugenta, e por vezes já pensei ser uma técnica desse pós-capitalismo mambembe, que pensa grandes coisas para fazer dinheiro, mas se equivoca nas mais simples e por isso segue fracassando nas substanciosas transformações.

Nada mais apropriado pensar no capitalismo que se instala de maneira insultuosa, o que não significa de maneira vigorosa, em especial no Brasil. Aqui, seguem os desmontes sociais e trabalhistas conduzido por uma plêiade de velhos incompetentes e corruptos até a medula, que a cada passo demonstram serem títeres de forças mais poderosas e se acobertam nas sombras, sejam elas midiáticas, do poder judiciário ou do capital financeiro, não importa, em algum lugar ou momento se encontram para a articulação contra a sociedade civil.

Saímos na sexta-feira de uma Greve Geral exitosa, que paralisou fortemente os serviços, cuja narrativa foi construída tanto pela mídia corporativa e patronal, de acordo com interesses políticos em conjunção com o empresariado e com a casta golpista do congresso que votará as mudanças na legislação; como também pelas chamadas mídias digitais, que se desdobraram para relatar os acontecimentos em tempo real, com muitas imagens e reflexão crítica.

Neste último caso, o que ocorre é que as postagens de sites independentes de jornalismo, como Jornalistas Livres e Mídia Ninja, se apoiam na transmissão em tempo real, em fotos e vídeos, mas com pouco texto crítico, ao contrário das corporações, que não cansam de “contextualizar” os fatos de acordo com seus interesses. O que ocorre é que uma legião de simpatizantes dissemina as postagens provocando uma enxurrada de imagens nas redes, picadas isoladas de um formidável enxame.

O impacto emocional persiste ao lado das mídias corporativas, especialmente rádio e TV, que ainda dispõem de capital cultural suficiente para fazer prevalecer suas estratégias políticas. As grandes transformações comunicacionais dos últimos anos não contagiaram os fiéis ouvintes e espectadores, que por conforto intelectual, prosseguem ligados a essa poderosa narrativa, talvez acreditando que elas não poderiam estar “do lado errado”.

Com o desvirtuamento crasso do relato dos acontecimentos ocorridos nesta ampla Greve Geral, mais o apoio descarado às mudanças trabalhistas a favor de uma elite endinheirada, é de se acreditar que a confiança nesse tipo de narrativa sofra inevitáveis desgastes, pois não é possível construir uma ficção que prevaleça sobre a dura realidade. Será a persistência dessas pequenas, porém contínuas picadas, a contraposição narrativa fundamental para questionar a mentira, a farsa comunicacional.

Já não estou mais entre os que acreditam no fim dessa mídia corporativa, até porque agora ela se redesenha camaleonicamente e se posiciona como um sistema de divulgação dos interesses do capital financeiro, formatando-se como um componente precioso para a disseminação desse discurso. A nova roupagem aprofunda a desfaçatez, própria desse neoliberalismo ainda mais brutal que o de vinte anos atrás. É a constituição de um poder não eleito – financeiro, judicial e midiático – que passa a controlar o poder eleito – legislativo e executivo – à custa do povo. Será preciso ver até onde isso vai e como acaba.




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