Eduardo, OsGêmeos e Dick Tracy nos baixios da praça Roosevelt
Nesta semana
discutimos em sala de aula o capítulo As
Raças e os Mitos do livro de
Dante Moreira Leite, O Caráter
Nacional Brasileiro, que
sempre contribui para compreendermos mais a formação social e política de nosso
país. Em especial, são abordados dois pensadores conservadores do início do
século XX, Nina Rodrigues e Oliveira Viana, fortemente influenciados pelo que
se denominava então de evolucionismo social, com um olhar pessimista para a
nossa miscigenação.
O olhar racista de
Nina Rodrigues para nossa sociedade analisava o negro como raça inferior, e dessa forma, a
herança de nosso mestiçamento marcada pelo "pelo equilíbrio mental instável
que acarreta", inferindo-se, conforme Moreira Leite, que o brasileiro
seria um desequilibrado. De Oliveira Viana, a descrição social pouco ou nada
tem de científico, onde enaltece os sentimentos de uma aristocracia rural do
início de nossa colonização, "não são eles somente homens de cabedais, com
hábitos de sociabilidade e luxo; são também espíritos do melhor quilate
intelectual e da melhor cultura".
Moreira Leite
desmonta passo a passo a construção dessa hipotética visão idílica de nossa
sociedade; a esse respeito, vale a pena consultar as páginas de Tinhorão Ramos
sobre o cotidiano tedioso e modorrento de nosso momento, mais animado nos
espaços onde a festa e o batuque de negros escravos, quando permitida, se fazia
presente. A aristocracia rural, para Oliveira Viana, constituía o "centro
de polarização dos elementos arianos da nacionalidade", por certo aqui
influenciado pelos ventos do fascismo europeu que sopravam vigorosos nos anos
1930.
A discussão em
aula torna-se muito oportuna pois assim identificamos de algum modo a linhagem
do pensamento conservador, machista e ainda com fortes elementos escravocratas
de nossa elite econômica, que promoveu o golpe institucional para assumir as
rédeas políticas, ao modelo da Velha República, para não dizer do Segundo
Império. Nina Rodrigues e Oliveira Viana são apenas alguns dos representantes
desse pensamento arcaico, que como Euclides da Cunha, Silvio Romeiro e tantos
outros intelectuais formadores de opinião, escoravam-se nas teses do
embranquecimento como o caminho para a virtude moral e o desenvolvimento da
nação.
As marcas desse pensamento derivadas da superioridade biológica
persistem nos dias presentes, em manifestações regulares pelas redes sociais,
reproduzidas por quem apenas se inspira em reproduzir e causar impactos, sem
mensurar os efeitos, como também por esse universo medíocre de
pseudo-intelectuais que se arvoram em buscar ideias às suas palavras. No
extremo desse conduto de presunções, a bancada ruralista do congresso não se
cansa de revelar pequenos Oliveiras Vianas.
Ao fim e ao cabo, a imensa e complexa realidade do povo
brasileiro, mestiço, pobre e trabalhador, descartado como gênese e fundamento
do nosso processo histórico e social. Para a construção de pontos de vista mais
abrangentes é que estão aí os coletivos e os movimentos sociais, e a eles não
resta alternativa senão lutarem renhidamente, pois nenhuma contemplação terá
desses das classes dominantes. E felizmente sucedem-se os interpretes
intelectuais adictos à análise crítica de nossa sociedade, Caio Prado Jr.,
Moreira Leite, Gilberto Freyre, Milton Santos, Florestan Fernandes, Jessé
Souza, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Manoel Bomfim e tantos outros, com os quais
alimento-me e ofereço aos educandos.
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Com regularidade
bissexta tenho trabalhado com um texto muito oportuno, de Robert Pechmann, que
discute o controle dos "vadios", os negros escravizados, em sua
circulação pelo espaço urbano. A designação da vagabundagem, prevista como
crime no Código Penal da colônia e do império, de algum modo ilustra a
discussão acima, e incide diretamente em uma parcela sem direitos e
arbitrariamente submetida da nossa sociedade. Destaco um trecho do texto de
Pechmann, ligando-o ao vídeo Enquadro, um relato atual da realidade
de nossas periferias urbanas.
Enquadro, reportagem de
José Cícero da Silva, 2017
"Soltos no mundo, obrigados a perambular pela cidade à
procura de sobrevivência, os 'vadios' são identificados na sua viração como
desordeiros. Ninguém lhes perdoa a fluidez, mormente numa cidade escravista,
cujo equilíbrio era conseguido, em grande parte, pela vigilância dos passos dos
escravos. (...) Tidos como incapazes de educação e de princípios, os 'vadios'
são vistos como tendo outra humanidade, representantes que são da
'anti-sociedade'."
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