12 fevereiro 2017

Memorabilia



Na foto acima há um conjunto de informações formais que nos permite aprofundar um pouco mais em sua composição. A acreditar na data colocada à mão, no canto inferior esquerdo, ela completa 80 anos, e o que temos é um grupo de crianças, oito ao todo, enfileirado em um quintal de terra batida, alguns mais bem trajados que os outros, com um casarão pobre de tijolos e telhado de barro cozido ao fundo, em um lugar impreciso. 

Nem todos estampam um sorriso nas faces, o que não significa que os mais sérios estejam descontentes, e a considerar a sombra que imprimem no solo, estão no meio do dia. O que aparenta ser o mais velho da turma segura uma bola e expressa um gestual dinâmico, como se estivesse prestes a caminhar em direção ao fotógrafo. O outro que quebra o imobilismo formal da pose é o primeiro à esquerda, como se brincasse com o momento. Como última observação objetiva, a informação extra-diegética do ano anotado à mão, o mais jovem da turma ultrapassa 80 anos de idade.

Agora as informações que transcendem o registro formal. São crianças de classe média baixa; os jovens mais bem vestidos são da mesma família, os três da esquerda, mais o menino com a bola. O pequeno no centro e a única menina, a quarta da esquerda para a direita também. Estariam mais informais pois, suponho, a foto é um acontecimento forjado para celebrar os descendentes homens da casa, e o pequeno mesmo sendo menino, não dispunha de roupas apropriadas para o evento solene.

A foto foi tirada na cidade de Birigui, noroeste de São Paulo, em um bairro denominado Patrimônio Silvares, que na época ficava afastado do centro. Creio que não a vi mais de duas ou três vezes ao longo da vida, o que me permitiu fazer o reconhecimento dos personagens sem precisão concludente. A dar fé à minha lembrança, pelo menos dois estão mortos, a menina, Mafalda, que chegou aos oitenta anos, e o menino da bola, Irineu, que não chegou aos sessenta. E pelo menos quatro estão vivos e saudáveis, os dois primeiros à esquerda, Alcir e Edson, que na foto tinham quatro e seis anos, e o pequerrucho, Ourival, com dois anos. Estes e mais aqueles, todos irmãos. 

E completa a escala dos jovens vivos o terceiro à esquerda, de olhar mais compenetrado, Lairo, como seu primo Edson, tinha seis anos. Na verdade Lairo é um cognome familiar, o qual ninguém, nem o próprio, nunca soube definir a origem. Passou a infância e a adolescência no convívio cotidiano com seus primos, nessa mesma casa, em razão da ausência do pai e da morte prematura da mãe. Fora do círculo familiar foi conhecido pelo sobrenome, Bin, um bom jogador de futebol, advogado trabalhista, um homem justo e generoso, meu pai.


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