O silêncio nestes dias se deu em razão da viagem à Lima, para preparação e apresentação de texto no XII Congreso da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC, na bela e acolhedora Pontifícia Universidade Católica do Peru. Acomodei-me no distrito de Miraflores, a mais ou menos trinta minutos de táxi da Plaza Mayor, o centro histórico da cidade. O clima úmido e relativamente frio, com dias permanentemente encobertos, mais o trânsito carregado fez com que permanecesse mais tempo nos interiores. A visão do mar normalmente era limitada a umas poucas centenas de metros pelo constante nevoeiro. Apenas no último dia foi possível apreciá-lo mais extensamente, ainda que em uma coloração mais plúmbea do que seu natural azul.
Foram cinco dias de convívio com pesquisadores de diversas universidades brasileiras e sul-americanas, e a possibilidade também de conhecer um pouco da realidade cotidiana de uma das grandes metrópoles de nosso continente. Um tempo muito curto para sentir a dimensão desta imensa cidade, principalmente as particularidades de seu espaço geográfico como as áreas mais periféricas e as características das culturas de sua gente.
O tempo se dividiu em duas espacialidades, dentro e fora da PUCP. Uma parte do dia, pela manhã, acompanhamos mesas redondas sobre temas relacionados à comunicação na América Latina, e ao longo das tardes, participamos dos debates proporcionados pelos grupos de trabalhos. Na outra parte do dia, normalmente à noite, me dedicava na preparação da apresentação do texto que escrevi juntamente com a professora e pesquisadora Mônica Nunes, Procissões, Hip Hop e Cosplay - Representações do negro na cena brasileira, e quando possível, ao saudável encontro com outros pesquisadores, brasileiros e peruanos.
-O-
PROCISSÕES, HIP HOP e COSPLAY –
Representações do negro na cena brasileira
(trechos iniciais)
(trechos iniciais)
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta, pontualmente, a
contextualização histórica das representações socioculturais de parcela
da população negra no Brasil, por meio de cenas
pictóricas e descrições literárias do período colonial e moderno, para trazer
elementos de herança da sociedade escravista que persistem
e as formas de negociação e criação de estratégias
de visibilidade desenvolvidas por negros em
cenas contemporâneas, como o hip hop e a cena cosplay. Consideramos que o espaço simbólico da festa e a teatralização pública são cenários
para a construção destas representações.
(...)
1.
PRESENÇA DOS NEGROS NAS FESTIVIDADES DO BRASIL COLÔNIA
Os
registros textuais e iconográficos de nossa história colonial e mesmo do
primeiro e segundo Império demonstram a alegre participação popular em festas e
procissões. No Brasil Colônia, a escassa população de colonos, marcados por uma
vida ociosa, sobretudo, para aqueles que podiam dispor do trabalho escravo, a
princípio indígena e mais tarde negros vindos da Guiné, procuravam preencher o
tempo de maneira festiva, “aberta a tudo que pudesse torná-la divertida” (Tinhorão,
2000, p.40). O regresso da frota de Mem de Sá, vitorioso contra os franceses, foi
o auge de uma longa festividade que envolveu a cidade de Salvador, então com
menos de mil habitantes. São representações artísticas que trazem jogos,
corridas de touros e mesmo reproduções de equitação da nobreza, já entronizando
a teatralização das festas públicas, muito comuns na colônia no século XVII. Já
temos com Frans Post, durante a ocupação holandesa do nordeste, ilustrações da
vida cotidiana documentando rodas de dança de negros, sua música e seus
folguedos. Com o processo de dramatização das histórias sagradas, dos
princípios do Evangelho, sobrevém a incorporação das camadas mais baixas,
incluindo aqui negros e mestiços.
Com a expansão das festividades do espaço da
igreja para as ruas, ocorre um “deslocamento da diretriz religiosa (...) para
objetivos profanos” (op.cit., p.67), com o intuito da representação do poder
secular, ou meramente da diversão. A teatralização dos temas bíblicos no espaço
público e o apelo popular chamam a atenção de cronistas e viajantes da época,
como o francês Pyrard de Laval, que se surpreende com a grande presença de
negros escravos divertindo-se nas ruas e praças. Já não se apresentam
escondidos sob os trajes alegóricos, mas participam ativamente das procissões
sob a forma de “bandos mascarados, músicos e dançarinos”, em manifestações
animadas, cujas representações corporais e sonoras eram contagiantes.
(...)
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