Uma deliciosa lembrança de meus tempos de rádio-escuta, o programa Escucha Chile, que recuperei inesperadamente em meio às minhas consultas no Youtube. Ele era transmitido direto da rádio Moscou, ao longo dos anos 1970 e 1980, e eu sintonizava em meu rádio de ondas curtas com regularidade, no final das noites, no correr de 1978. Foi uma emoção reconhecer a melodia inicial e em seguida o timbre de José Miguel Varas, que como a transmissão aqui postada, permanecia longamente com os informes políticos do Chile.
O que me seduzia nestas transmissões era a audição incerta, originária de um lugar (Moscou) tão distante e naquela época, pouco acessível. O toque sonoro do início, que agora retomo, era um traço simbólico desse tempo-lugar misteriosos. As ondas iam e vinham, aprofundando o tom dramático da audição e me recordo que por intermédio do programa consegui estabelecer um fugaz contato com uma família de ouvintes, na cidade de Chañaral, que se limitou a umas poucas trocas de cartas.
Outro aspecto de meu interesse eram as informações em tese proibidas, que revelavam uma infinidade de detalhes as quais eu ignorava, sobre um governo golpista, já que o clamor das vozes democráticas não nos alcançava. Em 1978 eu não passava de um jovem ingênuo sobre as questões políticas, não havia tomado uma posição sobre o golpe de 11 de setembro, o que ocorreria de modo contundente nos anos subsequentes, esclarecido pelos ares da anistia e da abertura política. Assim, ouvir o programa alimentava minha curiosidade acerca de um imaginário que só o rádio nos proporciona.
Permanecia paralisado sentindo a força argumentativa que a locução exalava e, paradoxalmente, sua completa impotência. De algum modo me sensibilizava a abundante quantidade e qualidade de informações, destinadas a mobilizar a resistência cívica. Ainda hoje me pergunto qual o alcance daquelas transmissões, qual o legado daquelas vozes em serena modulação, que se propagavam eletromagneticamente com um objetivo específico. Em meu íntimo, penso que ao menos preservaram a chama da liberdade em muitos corações.
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