- Minha discussão propõe uma abordagem sobre as culturas das periferias, em especial, sobre a literatura, ou como denomino, as escrituras marginais. Falarei um pouco sobre quem são os poetas, e como eles se manifestam - o que pretendem em seus encontros poéticos.
- Destaco um coletivo chamado Cooperifa, localizado em um dos bairros mais precários de São Paulo, no Jardim Guarujá, zona sul da cidade.
- Para entendermos as funções deste grupo de poesia, falarei rapidamente sobre o espaço urbano de uma cidade segregada pelos muros, resultado de uma profunda desigualdade social ainda presente.
- Falar sobre os encontros poéticos nas periferias é falar de uma performance que busca definir uma identidade, uma relação de pertencimento ao lugar, e com isso, mobilizar uma forma de resistência.
- Os jovens das periferias paulistanas compõem-se em grande parte por netos dos migrantes dos anos 1950/1960, que chegaram massivamente vindos do Nordeste brasileiro, em sua maioria analfabetos e sem profissão definida.
- Até os anos 1980, podíamos falar em uma oposição clara centro-periferia; até então, a classe média se concentrava na parte central, e os pobres eram expulsos para as regiões mais afastadas;
- De lá para cá, o boom da construção civil e do transporte particular estimula as classes médias e altas a se transferirem da região central, ocupando os countries, ou condomínios fechados, muitas vezes ao lado de uma favela (villa miseria), aprofundando a segregação. (conf. Bauman - guetos voluntários/reais - filme mexicano La Zona);
- Para Villaça, a estruturação interna do espaço urbano “se processa sob o domínio de forças que representam os interesses de consumo (condições de vida) das camadas de mais alta renda” (v. quadrante sudoeste);
- Hoje o espaço urbano é um entramado de trajetórias, “de linhas que se cruzam e entrelaçam, que atravessam e transbordam os domínios estritos da pobreza e da riqueza” (Telles);
- Neste ponto, gostaria de observar as possibilidades dos circuitos de cultura das periferias, mobilizadores e agregadores especialmente por aqueles atores sociais à margem, e que desejam uma participação mais efetiva, com base nas aberturas dos movimentos e das culturas populares. É sugestivo que a opção dos saraus poéticos seja de entretenimento, mas também de constituição da cidadania;
- Os encontros poéticos das periferias - enfrentamento das demandas específicas de um segmento da sociedade deslocado para territórios da precariedade, e que se articula em torno dos desejos coletivos de transformação (sócio-política-cultural);
- a declamação da poesia torna-se a expressão da visibilidade; há um aprendizado didático na performance: nela, a palavra que não se esconde, e que ao se mostrar, quebra o silêncio, “se afasta da ordem muda” (Zumthor);
- Os saraus são esses encontros de sagração poética, eles têm a força de irmanar os frequentadores em um espírito de coletividade, que desvela paulatinamente – via escritura – o mundo em que vivem, em seus ângulos menos comuns e mais surpreendentes. Não há a preocupação em se produzir uma literatura bem escrita;
- O importante é essa “reciprocidade de relações entre o interprete, o texto e o ouvinte” (Zumthor);
- A escritura marginal se alimenta de informação e conhecimento, mesclando-se com a matéria-prima disponível em profusão, a invisibilidade cotidiana. A luta em forma de resistência cultural;
- Para concluir, as palavras de Ernesto Sábato (Antes do Fim):
“El hombre de la postmodernidad está encadenado a las comodidades que le procura la técnica, no se atreve a hundirse en experiências hondas como el amor o la solidaridad. Pero, paradojicamente, solo se salvará si pone su vida en riesgo por el outro hombre, por su prójimo, o su vecino, o el chico abandonado en el frio de la calle”.
(tópicos que organizaram minha exposição do texto 'As Culturas das Margens e o Espaço Segregado em São Paulo', nas X Jornadas de Sociologia da Facultad de Ciencias Sociales, UBA)