21 fevereiro 2012

Thomas Sankara



Thomas Sankara. Neste ano se completam 25 anos de sua morte. Foi mais um desses homens que nos estimulam a entender que o desafio é um componente inalienável da vida. Em tão poucas palavras, ele foi o presidente de Burkina Faso, e durante quatro anos, procurou minimizar a miserabilidade de seu povo, promovendo diversas iniciativas de distribuição de riqueza. Tinha um quê utópico em suas atitudes, uma espécie de Che Guevara da África Negra. Levava no coração o sentido de coletividade, e basta reparar em sua expressão para sentir que se tratava de um homem determinado e valoroso. Pelo senso de justiça, era amado por seu povo, e tal como os grandes transformadores de nosso tempo, como Allende, Luther King, o próprio Che, terminou assassinado por Blaise Compaore, que, no poder desde então - e certamente com a benção dos governos do norte - destruiu a esperança e reconduziu seu país aos caminhos da submissão econômica e da miséria profunda.

Deixo o registro da intervenção de Thomas Sankara na reunião da OUA (sob o tema Frente Unida contra a Dívida) em julho de 1987, três meses antes de seu assassínio.


Lembranças volúveis




Não lhe resta senão o solene cumprimento dos compromissos. Agora, se volta para a próxima etapa da viagem e no transcurso do tempo, esforça-se por rememorar os suaves contornos de uma expressão imersa em delicada serenidade, de manifesta leveza de sentimentos... e então, se imobiliza diante da paisagem enregelada, que corre acelerada diante de si... e adere ao som abafado do deslocamento, enquanto acompanha as gotas espargidas sobre a janela, a escorrerem mansas, imprecisas... traços imaginários que parecem fugidios, cada vez mais lembranças volúveis, embaralhadas ao cenário que se lhe desvela, lúgubre e inapreensível.



11 fevereiro 2012

A invisibilidade que nos rodeia




Entrevista concedida à professora e apresentadora Maria José Petri, do programa Arteletra Literatura, da TV São Judas. Eu e Mônica Rebecca pudemos falar um pouco sobre o processo de criação das narrativas de Histórias Invisíveis, coletânea de contos urbanos publicada pela editora Horizonte, 2011. 


05 fevereiro 2012

Exercício n.2: A esperada ação no Campo




Há um olhar que é sublime, que antes de nos percorrer ou nos perquirir, se entrega delicadamente às nossas solenes espontaneidades. As coisas se ajeitam assim, o tempo deixa de ser o fundo incômodo de passagem, para dar lugar ao modo solícito de ser. O café levemente movido com a colherzinha, o sorriso sem jeito que denota o corpo e a alma, entregues ao toque sensível, também das palavras.

Mais de um encontro de olhares, muito mais de um alinhamento de ações de interesse. Por aí, quem sabe, se define o illusio, essa expectativa de estratégias, vital na existência de um campo. Quais as possibilidades do jogo? Que disputas, e por quais caminhos, enveredará o jogo que se joga? Os olhares em suas reminiscências fugidias logo serão abandonados, em nome de uma posição, e no momento oportuno, serão usadas as cartas-trunfos, que como diz Bourdieu, permite ao seu possuidor dispor de um poder, uma influência, e portanto, existir no campo, em vez de ser apenas uma cifra desdenhável. 

Não se espera a subversão pelo olhar, e na serena mesa au Café, é mais provável que logo se defina a submissão de um dos lados ao longo do tempo, os sentimentos engolidos comme il faut, transformados em estratégia, em nome do aumento ou conservação do capital simbólico. Mais fichas serão colocadas à disposição dos contendores - agora denominados assim - que debaterão com outros, para assumirem uma proeminência. Quando muito, os participantes jogarão o jogo para transformar as regras que definem o funcionamento do campo, em seu benefício, a salvaguardar ou melhorar sua posição e impor os princípios de hierarquização mais favoráveis, para seus próprios fins.

E se desvanece, como água na água, a pureza dos movimentos; a enunciação do olhar ganha, enfim, sua decisiva conversão. 



01 fevereiro 2012

Exercício n.1: As aflições de Bourdieu




Os agentes sociais, evidentemente, não são partículas passivamente conduzidas pelas forças do campo social

Pierre Bourdieu
  

Em algum momento crucial da vida, optou por eliminar todos os riscos da vida. Quando surgia um novo e ousado alento, que prometia romper com os fundamentos da sua trajetória, promovia o comportamento seguro. No espaço de conflito de seu campo social, sua estratégia tornou-se cautelosa,  preocupado que algum movimento diferente fosse tomado como uma prática herética, mais de acordo com os novatos. Favoreceu a manutenção da estrutura das relações e suas posições no interior do campo, atuando no limite das disposições adquiridas, do seu habitus

A vida tornou-se a repetição do mesmo roteiro, por um tempo os caminhos que ousavam inovar as relações eram sondados, mas como em toda hipotética ameaça, logo acabavam abandonados. Era preciso ter a certeza impossível de se ter tudo à mão, de modo que preferia submeter-se à angustia de uma perda, sacrificando a promessa do novo e revolucionário, do que a ruptura com os fundamentos conhecidos, dos movimentos mais previsíveis. 

As escolhas se submeteram, assim, às possibilidades ofertadas pela estrutura objetiva de seu campo social, regras claras e conhecidas, sem surpresas. A aflição se dava pela dúvida em buscar o valor distintivo, entregando-se às lutas necessárias, investindo o capital simbólico acumulado. Em outras palavras, nenhuma tentação em se opor às certezas dominantes, ainda que isso apenas legitimasse o conformismo.


Homens que despacham



Homens que despacham são esses homens, tolos e desnecessários, que surgem para cumprir alguma ordem onde você, mais cedo ou mais tarde, está de algum modo envolvido. Se prestam a convocar pessoas, e quando convocam, formulam a continuidade de uma ordem, para o bem ou para o mal. Desprendem um sorriso frívolo ao portarem a notícia ruim, assim como um olhar frívolo, quando ela é boa. Neste caso, é possível verificar o despeito que lhes revolve as entranhas, quando a frieza profissional por um instante é suspensa, sob um desconforto suavemente patético.

Revelam a “brecha” do sistema nesse átimo inapreensível, quando seus gestos tateiam superfícies sólidas e acumuladas de papéis, enquanto perdura o estado de júbilo do interlocutor. Assim como o sistema que representam, os homens que despacham devem manter-se no limite da funcionalidade, simples como isso. A indevida emoção torna-se um inconveniente, porque foram contratados para cumprir ordens, e não para avaliá-las.

Por uma curiosa derivação de suas funções, o infortúnio do outro tem o dom de lhes apaziguar o adestramento, e o recebem tal como uma gota de óleo na engrenagem. Mas a refulgência do bem-estar proporcionado tem o efeito de intimidá-los, de romper com a correia de transmissão. Então, o mecanismo se embaralha, o ato racional e consequente se manifesta em sensível paralisia, ainda que de efêmera duração.

O estranhamento esculpido nas faces parvas dura um piscar de olhos. Logo, como se as células digitais fossem reprogramadas, a energia é reconstituída e o dispositivo retoma suas funções. A frustração, se é que podemos assim nomeá-la, é prontamente absorvida em nome da presteza abjeta, e ei-los atentos, solertes, com inabalável disposição para a nova ordem a ser despachada, pois como vimos, esses miseráveis homens que despacham precisam dar algum sentido às suas vidas, mostrando que podem ser úteis ao sistema que servem.