14 setembro 2010

Alfredo




Há que se recordar o momento em que Victória adentrou o Café, em meio à sonoridade eflúvia que se desprendia nos mínimos detalhes do ambiente, as cadeiras arrastadas, os tilintares das taças, o murmúrio das conversações fugidias, entremeadas por olhares confessos, como este que absorveu a Alfredo. As notas do bandoneón sobrepunham-se, em sua cadência melancólica, como um fundo necessário para distinguir o ritual do encontro. O fog se elevava mais denso, bruma etérea que conduzia a uma dimensão de luzes fugidiças, das luminárias que configuravam uma aura embaciada... por um lado, e por mais outro, os garçons singravam elegantes, prestimosos, com as gravatas borboleta e uma seriedade conveniente, equilibrando suas bandejas cheias... Pois Alfredo só teve tempo de erguer-se, ao se dar conta que a mulher, a Victória que sequer conhecia, se aproximou envolta por seu olhar fulgente, que a penetrar as guardas de seu então distanciamento, indo atingir-lhe o coração! Não houve palavras, já próxima ela lhe estendeu a mão enluvada, e um sorriso adornou-lhe as faces rosadas. Mas os olhos, duas turquesas densas e cintilantes, esses refletiam mais do que mero brilho, formulavam a intensidade da alma, emoldurados por um outro tempo, que transbordavam o próprio querer... Não foi mais que um momento o transe, calados pela mútua expectativa. A verdade foi que, dissipado o transe revolto que os tomaram por um tempo indizível, se deixaram levar, como se o tango rememorasse seus corpos como parceiros de sempre, entregues aos caprichos da vida...

... e por sobre a mesa, o livro de Paul Valéry que tomava as atenções de Alfredo... É possível ler no parágrafo seguinte de onde parou a leitura,
(...) Quanto a mim, sinto estar seguro, de uma segurança de sonho, de que tu estás atrás de mim, com tudo o que está por vir, como num passado, como se uma coisa toda concluída e que não existe ainda... É por isso que meu coração é arrebatado... O livro que está diante de meus olhos é ilegível, e minha alma, sobre essas linhas às quais meus olhos se apegam sem esperança, aguarda o choque...



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