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Motim em Vancouver, 1994 |
"Daquele momento
em diante, cada acontecimento que se seguiu parecia sinistro, de um significado
sombrio. Tudo me dizia respeito muito de perto, sentia-me envolvido em tudo que
se passava, como se tivesse estado presente a cada uma das cenas de que tinha notícia.
Nada fora previsto. Explicações, ponderações, mesmo ousadas profecias eram
nada, se comparadas à realidade. O que ocorreu foi, em cada detalhe, algo
inesperado e novo. O contraste entre a pequenez das ideias propulsoras e seu
efeito era incompreensível. Em meio a tanta perplexidade, porém, uma coisa era
certa: aquilo só poderia desembocar numa guerra – e não numa guerra acanhada,
insegura de si própria, mas numa que irromperia orgulhosa e voraz, como as
guerras bíblicas dos assírios".
O texto acima faz parte do livro O Jogo dos Olhos, o terceiro volume da autobiografia de Elias Canetti. Refere-se à ascenção de Hitler, em janeiro de 1933. Se fecharmos os olhos e considerarmos a dramaticidade histórica, transportando-a para os nossos dias, podemos facilmente adaptá-la para a posse de Trump em janeiro deste ano. Um texto que imprime ao fato narrado uma universalidade atemporal: se estávamos naquele momento na Alemanha nazista, hoje estamos nos Estados Unidos neoliberal. O perplexo se contorce e se estende impoluto até os nossos dias, como se cada fração daquela tragédia sobrevivesse incólume para se recompor, ordinária, fútil, brutal, no presente - e prolongando-se, porque nada demonstra que será debelada, rumo ao futuro.
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