29 abril 2025

O discreto instante da permanência


Peter Keetman, Nebellauf, 1956

As tragédias que nos afligem, tão próximas, soltaram as amarras, e nesse tempo que sobrevém as dores e as infindáveis lembranças, é possível perceber a velhice se apropriar do corpo, e com ela, o cálice com o elixir que robustece o amor poucas vezes manifesto. O sorriso tão natural que brota suavemente na face tranquila de mamãe impulsiona os momentos belos que os irmãos passamos a compartilhar, momentos não só de compreensão e leveza, mas de serenidade. A temperança nos acolheu proporcionando o estado de espírito que nos abrigou da desesperança, de uma angústia poderosamente crescente. O idílio de uma paz inesperada, que nos contempla em cada encontro, esparge seus olores e nos torna mais humanos, na fartura como na falta. 

Mas a caminhada foi exaustiva, muitas das vezes sem os resultados desejados. Não encontrar um caminho significava a prevalência de um mundo descartável, arrefecendo-nos. Foi o amor que forcejou, e se instalou, e repudiou veementemente a futilidade dos temores, das falsas promessas e vez ou outra, das torpes espectativas. Sobreveio o tempo de acreditar na bondade a qualquer custo, de sentir a imensidão do universo, desde seus míseros vespeiros ao maravilhoso poente outonal. Foi necessário despertar dos bons e dos maus sonhos com a mesma dúvida; deleitar com as visões magníficas do farol cintilante na Comporta Tannhäusen, mas também considerar a tolice do descaso de cada dia. 

Entre o que foi e o que é, emerge o discreto instante da permanência e com ela, a possibilidade contínua da transformação pelo amor. Os segredos superados pela entrega. Diante de mim, Jessica sorri e convida-me para saborear o chá de cada noite.


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