Um pouco abaixo, no meu constante campo de visão da janela, observo os jovens estudantes no imenso pátio em frente. Já não consigo precisar suas fisionomias, ou mesmo os detalhes de seus corpos, de suas vestimentas. Sei que estão ali, no intervalo de mais um turno de aulas, circulando por entre os cadeirões, reunidos em pequenos grupos conversando, ou solitários, metidos na fluidez de seus celulares. Para mim, basta apreciá-los e lembrar dos momentos de sala de aula, uma boa lembrança cujo ritual não tenho qualquer desejo em retomar. Estou bem aqui, com minhas rememorações, um bom copo de uísque e a visão que tenho deles. Atrás de mim, as estantes abarrotadas de livros me demandam para outros desafios, mais intrigantes, menos cansativos. Há livros esparramados pela grande mesa da sala, não me incomodo, gosto de retomá-los aleatoriamente. Livros, cadernos, papéis avulsos com resumos de leituras ou esboços de narrativas. Na outra ponta, o material que Jessica deixa para quando vem aqui. Tem sido muito bom trabalharmos juntos, ela oficialmente, ainda vinculada aos semestres letivos, aos trabalhos para congressos. E eu, envolto principalmente com a construção da peça dramatúrgica, recuperando a memória de meu pai. Ele aparece como personagem principal, dialogando com seu pai - meu avô, que mal conheci. Estão vivos e estão mortos, as cenas se confundem nessas dimensões, e nesse componente metafísico, não consigo me distanciar da incredulidade. A dúvida surge como substrato fenomenológico, o que de fato é visto e como se estabelece a relação existencial. O avô morto que não quer se retirar sem antes justificar-se por uma vida desregrada, um filho que não tem o que dizer senão compreender o que viveu. Outros personagens que se aproveitam da situação para igualmente justificarem os mal-entendidos. Persistir no desentendimento pode ser uma forma de interpretar os fatos, e nesse sentido, os argumentos se sucedem. É um tempo de recuperar memórias, tornando-as narrativas, e vejo que a essa altura da vida, as memórias escasseiam e não dão conta da sua abundância descritiva.
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