11 fevereiro 2025

Letra e Alma


Paulo Cesar Pinheiro

Assisti ao maravilhoso depoimento de Paulo Cesar Pinheiro no documentário Letra e Alma, de Cleisson Vidal e Andrea Prates, no canal Curta. Sua fala serena nos remete a uma intensa atividade musical, produzindo parcerias com os grandes compositores de sua geração e das anteriores, de Pixinguinha a Baden Powell. Cantado em verso e prosa por magníficas intérpretes, de Clara Nunes, sua esposa por oito anos, a Elis Regina. Enfrentou a ditadura com coragem, compôs maravilhosos libelos desafiadores, como Pesadelo, em parceria com Maurício Tapajós, Quando o muro separa, uma ponte une/ Se a vingança encara, o remorso pune/ Você vem me agarra, alguém vem me solta.../ Se a força é tua, ela um dia é nossa/ Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando... Estava cansado de fazer letras com metáforas para que a censura não o censurasse, então propôs a Tapajós que fizessem uma canção sem meias palavras. Por incrível que pareça, em um primeiro momento, ela foi liberada, mas logo a seguir, pela grande adesão popular, censurada. 

Censura medíocre, de tão surreal, ou o inverso, surreal de tão medíocre. Sua linda composição, Sagarana, uma singela homenagem ao escritor que admirou profundamente, A ver, no em-sido/ Pelos campos-claro: estórias/ Se deu passado esse caso/ Vivência é memória/ Nos Gerais... Não adiantou, acabou censurada. Sem entender o motivo, afinal não se tratava de uma letra politicamente engajada, dirigiu-se até o escritório dos censores. Eram dois senhores de baixa formação, e o Poeta expôs seu argumento, era apenas uma canção homenagem a João Guimarães Rosa, grande escritor da academia brasileira de letras, que tinha uma linguagem popular, sertaneja, sem qualquer intenção política e coisa e tal... Os homenzinhos pensaram, olharam-se e um finalmente respondeu, manteremos a censura. E por qual razão, perguntou o compositor, ao que responderam, "pode ser uma letra em código".  

Mas o que me encantou em seu depoimento foi o convívio com os avós. Moravam em uma tapera, em Angra dos Reis, e ele sempre que podia ia lá para ficar dois, três meses. Não havia água encanada, luz, nenhum conforto. Os amigos comentavam sobre a pobreza dessa vida, ao que Paulo Cesar respondia que fora a experiência mais rica de sua vida. A avó, india de uma tribo Guarani, que ainda existe naquela região, saía de casa e voltava com raízes e folhas medicinais. O avô cantarolava belas canções, e quando Paulo Cesar lhe perguntava de onde ouvia aquelas sonoras composições (não havia rádio na casa), ele respondia, "ouvia do mar". Nunca viu dinheiro nas mãos de seus avós, praticavam literalmente o escambo, trocavam peixes por outros mantimentos, e assim foi. Paulo Cesar Pinheiro comentou que foi essa convivência natural, simples, poderosa, que o ajudou a superar o uísque e as noitadas da vida urbana. Esse aprendizado foi decisivo para retomar o caminho da vida e manter-se na beleza de suas composições.


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