26 dezembro 2024

Uma recatada cabeleireira


Foto de Saul Leiter

Descobri esta recatada cabeleireira na galeria, em frente ao meu prédio. Já adquiro uma série de serviços nesse agradável espaço, em que possui bancos de praça, pequenas lojinhas, chão de caquinhos de cerâmica. Por ali circulam dezenas, às vezes centenas de pessoas dependendo do horário, que entram por um lado e saem por outro, observando as vitrinas, conversando com os proprietários, consumindo algum produto. No meu caso, gosto de frequentar o café Alma, logo na entrada de baixo, levar meus sapatos para o seu Canuto, exímio sapateiro, e minhas roupas para Vanda, minha costureira de anos. Lugares e pessoas bons de se visitar. Hoje, dia seguinte ao Natal, muito pouca gente. Elza, a cabeleireira, está aberta, aproveito e faço meu cabelo, um corte simples, só para aparar os excessos. Ela vem do interior de Goiás, tem o acento característico de quem se originou, como dizia Antônio Cândido, no território da Paulistânia - um espaço que inclui partes de Minas, do Mato Grosso do Sul, de Goiás, do Paraná e claro, do interior de São Paulo. Trata-se do sertanejo caipira, com seu jeito simples, acolhedor, desconfiado. Elza usa sua tesoura com capricho, enquanto me conta animadamente as coisas de sua vida, sua luta, seu passado, seus anseios. Tem tatuagens nos braços, o cabelo curto em um estilo punk, um sorriso permanente, mesmo quanto relata seus temores por andar pela cidade grande. Por isso apoia a polícia, odeia os vagabundos e tem uma definição não muito incomum: eles são os que estão nas ruas, não importa se desempregados ou bandidos, claro que não concordo e digo - minha única fala - que a miséria é uma construção social. Ela não entende, ou não quer entender, muda de assunto, ou não, quando se entusiasma ao falar de sua coragem, que não deixa de enfrentar sozinha os dilemas e as ameaças da vida. Se diz uma guerreira e bem denoto em sua expressão facial, através do espelho, o olhar da gata acuada prestes a saltar. Comprou a lojinha há pouco e os clientes marcam horário. Eu tive a sorte de passar em frente em um dia esvaziado. Conta dos irmãos que trabalham com a terra, no sul do Pará, mas não quer voltar. Conta da vida pacata que foi em Porangatu, das frustrações, das chateações, está lendo um livro de autoajuda sobre como se comunicar. As tesouradas são lentas, precisas. Gosta de assistir filmes do velho oeste e diz que vivemos a mesma realidade, e que vive com medo. Andar pela cidade, só com a luz do dia. Certamente contaria outros segredos se um cliente aleatório não chegasse para fazer a barba. 



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