O Spree |
Caminhamos
longamente, eu e Florian, pelos meandros de Mitte; ele me levou a um centro labiríntico
de pequenas lojas e cafés, um conjunto moldurado por simpáticos jardins e cafés.
Almoçamos ali mesmo, em uma cantina com jovens atendentes. O que nos atendeu
falava o espanhol, conversamos rapidamente sobre o cardápio e sobre Madri, sua
cidade. Quando se retirou, eu e Florian fixamos os olhares pelos recantos surpreendentes
do lugar, em completa introspecção. Estávamos em uma cantina encravada no piso
inferior de um pátio aberto. Tratava-se de um ambiente em terreno irregular e
cuidadosamente adornado por árvores esguias, com densa folhagem. A semana em
Berlim me deixara com os pés estropiados, sem condições de marchar
adequadamente no ritmo de Florian. Pensava nas coisas boas e nos lugares
pitorescos que tinha visitado sem forçar a caminhada, e agora com Florian, as
coisas mudavam um pouco. Atendia-me nas solicitações insistentes, Nous
ne pouvons pas marcher si vite... ou então, On doit réposer un
peu... Vez ou outra despertávamos da letargia para falar sobre os
muitos encontros no passado. Em certos momentos, como aquele, compreendíamos a
importância de desfrutar um pouco de silêncio, para não fazer nada mesmo. Nunca
alimentamos a necessidade de preenchermos o tempo com a exigência de uma
conversa. Desde o início, sabíamos instintivamente da importância em permanecer
calados, em tranquila introspecção. Le jour est très agréable... comentei,
antes de referir-me à visita que certa vez lhe fiz, ao longo de uma única
jornada. Buscou-me na estação de Frankfurt ainda de madrugada e fomos para sua
cidadezinha. É provável que tenha vivido mais intensamente esse dia do que
muitas semanas da minha vida. Foi nessa ocasião que, juntamente com Mildred,
sua companheira na época, singramos de barco pelo Neckar até desembarcarmos em
um pequeno Café solitário, no sopé de uma montanha, para descobrirmos que se
tratava de um recanto brasileiro, pela música com Jorge Benjor e pela proprietária
carioca, que nos recebeu alegremente alternando o alemão e o português. Desta
feita, ali estávamos em Berlim, cidade que por incrível que pareça, conheço
melhor que ele. Guardava minha quietude pelos pequenos prazeres do momento, e
pela fortuna em poder contar com um bom amigo que em outra língua, era capaz de
me ouvir e fazer seus comentários. Sim, desta vez em Berlim, eu esperando
Mônica, Florian solitário, pois Kim estaria em um congresso de turismo em algum
lugar da Alemanha. Pergunto sobre seu pai, ele me responde, oh, ça va,
ça va... um mês após a festa dos noventa anos, que preparou juntamente
com seu irmão e seus filhos.
(atualizado em 05.11.2024)