Papai respira pausadamente, com a força de um passarinho. Passo a mão em sua cabeça fria e ao tocar a testa, há uma reação dos olhos que imagino de proteção instintiva. Nada mais do que um gesto vago da região ocular. Está com a expressão mais tranquila que ontem, como se já visitasse a dimensão sem limites. Ou como se tivesse acertado tudo por aqui e aguardasse o chamado. O modo sereno que impregnou-me ao longo da vida, mesmo agora, não se exalta; ou se não há mais consciência, mesmo agora, seu corpo se aquieta, encontrando uma paz quase absoluta. A minha voz interior se agita e pergunta, Sente dor? E mais outra vez, Sente alguma dor? A mesma voz responde, Pergunte a ele, e me responde, Como pode sentir dor, veja como guarda sua mansidão. Já não se trata da dignidade mantida ao longo de uma vida, mas esse desejo único de retirar-se em silêncio. Uma retirada que poupa os olhos afoitos das especulações, não quer isso, nunca quis, sempre soube avaliar os momentos com orgulho e a disposição renovada de amar. Não precisou frequentar templos para aprender sobre o perdão. Quando me narrou que aos quatro anos acompanhou a retirada do corpo inerte de sua mãe, da janela de cima da casa em que vivia, perguntei se não tinha guardado mágoa ou rancor. E para quê? Eles não conseguiram retirá-la de meu lado, e assim a amo até hoje, e para todo o sempre.
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