Última cena, 1958 |
Sinto-me (...) iluminado pela jornada, onde prevaleceram as conversações com meu pai. Não há mais como manter qualquer enfrentamento, querida, e disso já me dei conta há algum tempo; sinto-me muito melhor ouvindo-o em seus relatos, que me trazem o conhecimento de minha própria origem. Olhares sofridos, de coragem, de dor, de afeto, e de uma longa trajetória de vida, onde sem dúvida prevaleceu a reprodução de um cotidiano muitas vezes sem graça, repetitivo, mas de onde surgem relatos pungentes, como se me fizesse personagem de uma outra narrativa mítica, forjada em disputas, amor, conquistas, em grande medida, por desesperança superada pela persistência. Novos e velhos personagens relidos por novas interpretações, em alguns casos pelas descrições mais serenas e prolongadas, em outros, pela memória que, sem ser a mesma, não confirma as mesmas lembranças de outras narrações. Aproveitei, assim, o tempo bondoso junto ao meu pai.
A ceia trouxe, para mim, essas
superposições da vida, passado que projetou o futuro e nos oferece o presente,
todos ali, com as certezas que podemos ter, com as ausências que não podemos
evitar. Como se cumpríssemos uma nova etapa de renovação, como você cita em sua
fala, preparando-nos para mais um ciclo de vida, com todas suas boas e
desagradáveis surpresas. Nosso tempo cronológico sempre 'zerado' com as festas de final de ano,
a partir do congraçamento, das reflexões. Somos fortes e imaginosos, e
competentes o suficiente para, nos momentos de mudança, sabermos como improvisar
e descobrir novos 'caminhos epistêmicos' para a vida. Tenho sentido já há algum
tempo nas falas de meu pai uma concordância com a verdade suprema, e talvez por
isso sua leitura da vida surge tão límpida e tranquila. Repassa assim os passos
erráticos do pai, a perdição de uma mãe tuberculosa peregrinando solitária rumo
a Campos do Jordão, os episódios com os primos-irmãos, as peculiaridades de sua
aproximação com o mundo de minha mãe, histórias, que bem vejo, também me
pertencem...
(...)
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