Serigrafia, J.Borges |
Janela sobre a cidade (I)
Sob os portais da praça, um faquir tragou umas tantas colheres e está engulindo uma mangueira de regar jardins, enquanto suas mulheres tocam flautas e pandeiros e algumas pessoas atira moedas.
Perdido em um canto, alguém move os dedos no ar. Os dedos dançam, como se tocassem a trombeta. Da trombeta invisivel nasce uma música triste.
Uma velha envolta em farrapos anuncia sua poção mágica contra a pobreza, o melhor presente de Natal, a cem, a cem, o frasquinho, quem comprou se salvou, quem duvidou se ferrou. Ninguém a escuta. A mil, a mil, anuncia um profeta a iminente visita do Messias, e a multidão clama:
- Je-sus!
Junto ao profeta, um leão ruge. Cada vez que ele move o rabo, ruge. A mil, a mil, oferece o profeta, vão passando, senhores, os eleitos o verão, o escutarão, a mil, vão passando.
- Forte aplauso que já vem! Já está baixando! Já está chegando!
- Je-sus! Je-sus! vocifera a praça, e os rugidos do leão acompanham os gritos e os aplausos da gente que bate palmas com os pescoços virados para o céu.
O céu, mascarado pelos gases dos motores, não pode ver a multidão que o vê.
(do original Ventana sobre la ciudad (I), em Las Palabras Andantes, de Eduardo Galeano, Siglo Veintiuno, Buenos Aires, 1993)
Nenhum comentário:
Postar um comentário