![]() |
Salvador Allende |
Já se passaram 50 anos. Não tenho lembranças de quando ocorreu, nem do fim, nem do começo. Sim, porque foi em um mês de setembro que ocorreu a vitória eleitoral, e em um setembro triste o golpe insidioso. Fui aos poucos, ao longo dos anos, montando o quebra-cabeças dessa experiência fragmentada por balaços, traições e desaparecimentos. Aos 14 anos tinha nenhuma referência sobre o que tinha acontecido, o que significava o socialismo com empanadas e vinho tinto. Aos poucos fui tomando conhecimento, viagens a Santiago, recuperação de arquivos sonoros, os filmes de Costa-Gavras, o interesse por leituras que começaram a surgir com regularidade.
Há poucos anos, publiquei com Mônica um artigo que me revolveu as entranhas, Socialismo con olor a empanadas y vino tinto: memórias radiofônicas da derrubada de Salvador Allende (Revista ALAIC). Me emocionei na primeira leitura, em um pequeno congresso na Universidade de São Caetano, quando apresentamos o texto. Hoje, "as feridas" estão cicatrizadas, não me abalo com a narrativa cruel, desoladora; a própria derrota já não me parece um fracasso, e se não vejo com confiança a retomada de uma experiência de governo parecida (por diversas razões), ao menos sua marca se perpetua de modo inconteste, se faz heroica, e mesmo na derrota, se mostra inspiradora.
Foram muitas hipóteses formuladas, em que considerei as linhas ucrônicas de desdobramento: o que teria acontecido se... Hoje, apenas ouço o metal tranquilo da voz de Allende propagar o discurso final com lucidez e coragem, e o importante acaba sendo isso, a lembrança dos acontecimentos, e compreender, com o passar dos anos, que os fracassos são parte intrínseca da audácia, o que nos faz debruçar, sempre com outros olhos, sobre os detalhes dessa notável experiência social e política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário