11 setembro 2023

O fim da experiência chilena

Salvador Allende

Já se passaram 50 anos. Não tenho lembranças de quando ocorreu, nem do fim, nem do começo. Sim, porque foi em um mês de setembro que ocorreu a vitória eleitoral, e em um setembro triste o golpe insidioso. Fui aos poucos, ao longo dos anos, montando o quebra-cabeças dessa experiência fragmentada por balaços, traições e desaparecimentos. Aos 14 anos tinha nenhuma referência sobre o que tinha acontecido, o que significava o socialismo com empanadas e vinho tinto. Aos poucos fui tomando conhecimento, viagens a Santiago, recuperação de arquivos sonoros, os filmes de Costa-Gavras, o interesse por leituras que começaram a surgir com regularidade. 

Há poucos anos, publiquei com Mônica um artigo que me revolveu as entranhas, Socialismo con olor a empanadas y vino tinto: memórias radiofônicas da derrubada de Salvador Allende (Revista ALAIC). Me emocionei na primeira leitura, em um pequeno congresso na Universidade de São Caetano, quando apresentamos o texto. Hoje, "as feridas" estão cicatrizadas, não me abalo com a narrativa cruel, desoladora; a própria derrota já não me parece um fracasso, e se não vejo com confiança a retomada de uma experiência de governo parecida (por diversas razões), ao menos sua marca se perpetua de modo inconteste, se faz heroica, e mesmo na derrota, se mostra inspiradora. 

Foram muitas hipóteses formuladas, em que considerei as linhas ucrônicas de desdobramento: o que teria acontecido se... Hoje, apenas ouço o metal tranquilo da voz de Allende propagar o discurso final com lucidez e coragem, e o importante acaba sendo isso, a lembrança dos acontecimentos, e compreender, com o passar dos anos, que os fracassos são parte intrínseca da audácia, o que nos faz debruçar, sempre com outros olhos, sobre os detalhes dessa notável experiência social e política.



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