21 setembro 2023

As ameaças lodacentas


Vale a pena conferir

A característica que identifico nessa direita política, que renasce por aqui e em todas as partes, é, além de sua miséria argumentativa, a sua ousadia canalha. Faço meu o desabafo recente do cantor e compositor Lenine, tudo aconteceu "como se cada pessoa que carregasse um sentimento muito profundo de fracasso, viu a possibilidade de expor seu monstro sem nenhum escrúpulo (...)". Aí existem duas ideias emblemáticas, a do profundo 'fracasso', que alimenta toda aquela franja de cidadãos incompetentes que se acomodam nas delícias da ignorância, onde qualquer esforço do intelecto para superar pelo conhecimento o desconhecido torna-se uma tarefa ingrata, e com o tempo, desnecessária. O outro ponto, o 'monstro sem nenhum escrúpulo', que naturalmente nasce como um manifesto perturbador dessa ignorância, como uma resposta pronta para os desafios que não foram superados. Logo, um direitista dessa lavra não apenas é um deslocado de seu tempo, como um covarde moral.

Nesses dias em que se completou 50 anos do fatídico golpe cívico-militar no Chile, revi muitos pequenos vídeos da época, vídeos chilenos ou produzidos por televisões estrangeiras. De modo reiterado, os representantes do setor conservador da sociedade chilena se referiam a Salvador Allende e aos partidos da Unidade Popular como representantes de ideias políticas e projetos ideológicos distintos dos seus. Sem angústia ou desprezo na palavra. Por vezes, surgia uma análise mais dura, mas que exalava algum respeito à figura do governo opositor. Eram tempos de fratura democrática, e seus substratos ainda estavam muito arraigados na sociedade chilena. O trabalho voraz da construção do inimigo social levaria décadas, cuja linha básica tornou-se na arguição grosseira, esvaziada, xenófoba, essa frequência discursiva chula e rotineira que cansamos de assistir hoje em dia, reprodutora de lugares-comuns, de medos arcaicos que espreitam ao redor e que precisam ser combatidos. De heróis formidáveis que por conta dos medos, são clamados para retornar à ribalta. 

Causa-me surpresa, e que por muito tempo foi vergonha, essa espécie de enaltecimento do individualismo, como um fim a ser alcançado para que o mundo funcione e seja competitivo, e onde o sentido cristão de bem-estar não exclui andar armado. Causa-me surpresa, para não dizer desprezo, ao deparar com uma alma cambaleante em sua autossuficiência metodológica, assimilada em prestações pelos cantos obscuros da vida. Sempre para justificar sua virtude e sua penúria. As certezas impudicas dessa grande casta de subalternos fazem com que estejam mais próximos do infortúnio crônico, do que do sucesso a qualquer preço que lhes é prometido. Têm consciência disso, mas como diria o nosso Lenine, não há o que se lamentar: trata-se de canalhice, de dissimulação que precisa ser combatida.


 

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