Conrad Felixmüller, Heimkehr - Tautenhain 1948 |
Amanhã visito meus pais, comentou Mariano com sua esposa. Sentia a necessidade de estar um pouco mais próximo a eles e tomou a decisão, o que de fato se constituia numa alegria. Naquela casa, desfrutava de seu sossego, do ritmo suave das coisas, da presença delicada de seus pais, do sono profundo, imerso na quietude do bairro. Estar com o pai significava uma placidez monumental, recebido por seu silêncio a cada visita mais acentuado, raramente quebrado por um sorriso fugidio ou um espasmo adormecido. A paz usufruida nesses dias era inalterável, começava com sua chegada (e por certo já estava lá antes) e escorria ao longo dos dois magros dias que permanecia. Havia um componente mágico que visualizava naquelas paredes, o passado, presente e futuro, alinhado aos movimentos de seus dois moradores. O futuro é o que brota de imediato, o passado é composto pelos sabores das leituras do que foi, ou poderia ter sido, pensava. Vez ou outra, o presente era animado por uma presença fortuita, que podia ser sua irmã, os sobrinhos, o irmão, como fora recentemente, vindo da Austrália. A casa está sempre lá, convidativa, irredutível, e não se arroga grandes pretensões, nem mesmo por seu adorável jardim. Mariano a revisita com certa regularidade e cumpre os mesmos rituais, os mesmos caminhos, da sala para a cozinha, o abraço nos pais, subir para o banho, descer para recolher o pai e juntos subirem para a sala, onde acompanha o velho homem adormecer em sua poltrona, indiferente ao que se passa na TV. Então desce para conversar com a mãe, saber das novidades, sentir o longo amadurecimento de uma vida, a um toque da lembrança. Não demora, logo a deixa e retorna ao pai, e só mais tarde se reúnem todos na cozinha, para o jantar frugal. Mas, por céus, nada é mais marcante, nada dá mostras de ser mais simbólico de uma longa vida calcada na fé suprema e indizível, quando Mariano os espera ao pé das escadas, ao vê-los descer depois de uma longa noite de sono, na tarde do dia seguinte. A oração dita por um e repetida pelo outro, mansamente, degrau após degrau, antes de se acomodarem para o que denominam café da manhã.
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