Silvina Ocampo |
Ele para outra
Silvina Ocampo |
Um longo dia na vida de Ângelo Domani |
Ontem passei por um momento muito especial: dei minha aprovação às provas pré-impressão da capa e do miolo de meu romance. Ele está definitivamente pronto! E o mais gostoso de tudo, ter a publicação. O texto que girou por vinte e cinco anos encontra seu formato e seu conteúdo, que não saberia dizer se é o ideal. Há um lindo prefácio da Profa. Dra. Ana Maria Haddad Baptista, que explora alguns importantes aspectos da obra. Seu primeiro parágrafo me agrada de modo especial:
"Quando
se pensa que tudo está quase perdido ou que os tempos líquidos afogaram, de
forma definitiva, as memórias dignas de permanência em termos de
literatura... eis que uma voz se levanta e ressoa no impossível vazio de um
abismo incomensurável. Eis o que a leitura deste romance nos diz em primeira
mão. Ainda existe uma literatura que pode ser chamada como tal. Ainda existe
uma literatura que não se rendeu aos apelos de Narciso e seus fiéis seguidores
sequiosos e espelhados nas redes das raízes dos nenúfares que enredam,
maliciosamente, almas despedaçadas como diria Spinoza."
Sei que se trata de um resultado bem-sucedido, que me deixa muito satisfeito.
Poderia dizer que um longevo objetivo de vida foi alcançado. A alegria que me ilumina é a de ter chegado a um ponto final, a algo que não acreditava
que pudesse acontecer da maneira que aconteceu, o texto escolhido ao final de uma seleção de obras, e fazer parte do elenco de escritores de uma jovem editora. Por trás de tudo, o componente afetivo, a ficção calcada nas memórias da juventude, um lugar que esteve muito presente em minha formação e que no texto se apresenta como um cenário vivo, vestígios de realidade e memória, que acolhe o personagem principal e se revela sob um pseudônimo, Buganvília.
Desejo conversar longamente com meu editor e saber como a obra o impressionou. Quando me telefonou comunicando-me da decisão da editora, ele até chegou a descrever o processo, "gostei muito, li o livro em dois dias", mas o cabedal de seus comentários se perdeu em meio aos meus devaneios e preocupações, naquele dia de setembro, com a saúde de meu pai.
Em suma, para mim,
este romance estava fadado a permanecer na gaveta por outros vinte anos, sem que eu chegasse
a alguma conclusão sobre a qualidade da obra. Desde meu último livro de crônicas, O que
aparentemente nos resta, prometi para mim mesmo que entrava em uma etapa onde
não mais pagaria para ter meus livros publicados. Resta
alcançar a terceira etapa programada, ter a satisfação de ver a obra circular
para além de meu grupo de relacionamento, para outros horizontes.
Frevo, 1956 (Portinari) |
Alfonsina Storni (1892-1938) |
Alfonsina Storni tem sido muito presente nestes dias, em meus momentos de leitura, de reflexão, de descanso. Suas poesias exerciam um apelo mágico, grandioso, e depois de nossa viagem em janeiro a Buenos Aires, sua presença se acentuou em nosso entorno. Mônica trouxe suas prosas completas, e em meu aniversário ganhei Sou uma selva de raízes vivas, uma coletânea de suas poesias organizada por seu tradutor e estudioso, Wilson Bezerra. No volume, um posfácio magnífico que situa a autora em seu tempo, junto às tensões existenciais, de seus enfrentamentos silenciosos em uma sociedade conservadora até a medula, que resistia em reconhecer seu talento como escritora. E ao final, os suicídios de Horacio Quiroga e de Leopoldo Lugones abrem caminho para que também encontre sua maneira de deixar este mundo, já tomada por um câncer. Em nossas despedidas noturnas, declamo a Moniquinha suas poesias, e ontem foi o momento de Monotonía, do livro Languidez (1920).
MONOTONIA
Cono dizer este desejo de alma
Um desejo divino me devora,
pretendo falar, porém se rompe e chora
isto que levo dentro e não se acalma
Pretendo falar, porém se rompe e chora
o que morre ao nascer dentro da alma.
Como dizer o mal que me devora,
o mal que me devora e não se acalma?
E assim passam os dias pela alma,
e assim em seu dano obsessionada, chora:
Como dizer o mal que me devora,
o mal que me devora e não se acalma?
(traduzido do original em espanhol Antología Poética, Ediciones Mestas, BsAs, 2000)