18 junho 2021

Kusadasi, 1994

 

Kusadasi ao fundo

Utilizei-me do serviço desses pequenos ônibus chamados de dolmus diversas vezes, já que eram mais baratos e mais frequentes do que táxi ou carona, por exemplo. (...) É curioso, pois não temos a noção exata de onde são as estações rodoviárias (Otobus) ou as paradas desses dolmus (Otopark). Em Kusadasi (Kushadasi) eu tinha o mapa da cidade nas mãos (e a indicação clara de um Otopark) e uma vez no lugar, não havia nada, nenhuma construção (...) que indicasse ser uma estação. O que havia era uma movimentação de peruas Peugeot diante de dois ou três toldos e uma pequena fila sob cada um deles. Arturo, o amigo americano, perguntou em inglês onde se tomava a condução para Ephesus e alguém apontou um dos toldos. O terminal de dolmus em Kusadasi não passa de um ponto, onde as peruas chegam, param por poucos minutos, recolhem os passageiros e partem ao seu destino. Não há demora exagerada, 15 minutos se tanto, seja para a localidade que for. 

Para Ephesus, tomamos o carro que ia para Selçuk (Seltchuc), ao norte. Teríamos de parar no caminho e fazer uma caminhada de uns 500m. Eu e Arturo fomos os últimos a embarcar, sentamo-nos em um banco lateral, ao lado da porta traseira. Éramos um grupo de treze ao todo, e havia estrangeiros, sendo um casal de australianos de meia idade e outro casal de língua inglesa. A perua iniciou seu percurso, para nós que iríamos a Ephesus, uns 16 km, serpenteando pelas montanhas cobertas por vegetação rala, que irrompiam de um terreno visualmente áspero e seco, sem que meus precários conhecimentos de geologia ajudassem a definir sua natureza. O motor 1.500 rosnava sob o sol aberto e nas subidas, não passávamos de 40 km/h.

Estabeleceu-se o silêncio, os de língua inglesa mal trocavam umas palavras entre si, de quando em quando um breve comentário de uma efêmera impressão; os turcos, estes se compenetravam no percurso. Uma mescla de atenção e desligamento, em que o corpo e a mente se deixa levar enquanto repousa em pensamentos passageiros. Havia sido assim nas viagens anteriores nessas conduções, uma serenidade atenciosa, olhavam fixos para frente, como se este comportamento fosse parte de um costume secular arraigado em seus espíritos. 

De minha posição, vendo-os de perfil, podia observá-los longamente, era como se nem desconfiassem de minha presença. Os da terceira fileira denotavam um ar de bondade intensa nas faces vincadas. Os homens vestiam o infalível terno em tons acinzentados, no rosto a eterna barba por fazer e bigodes. Eu insistia em meu olhar perscrutador, provocante, queria arrancar-lhes um gesto, um movimento facial, uma rusga de descontentamento, mas nada, seguiam determinados a observar, calados. Moviam as cabeças quando o movimento do carro assim lhes exigia para equilibrar o corpo, uma questão meramente física de ação e reação. (...) 

O dolmus de tempos em tempos, parava e então desciam ou subiam passageiros. Os que iam descer pronunciavam algo e se estavam na parte traseira do veículo, faziam o dinheiro da passagem chegar ao motorista de mão em mão. E assim íamos, cada qual em busca de seus destinos: eu, Arturo e os de língua inglesa, em busca de novas referências históricas (...), e nossos impassíveis companheiros turcos cumprir seus afazeres diários. Um encontro ao acaso que corria sem trocas. 

Mundos paralelos que se espremiam em uma van, com propósitos completamente distintos. A certa altura passei a observar a paisagem despojada e imaginar o que aquelas montanhas já não haviam presenciado, quantas legiões já não haviam trilhado seus caminhos sinuosos em outras épocas, igualmente em busca de um objetivo. (...) 

(atualizado em 19.06.2021)



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