06 março 2021

Roman Polanski

Polanski em entrevista a Joaquín Serrano, 1980

Quando me solicitaram um projeto de pesquisa para candidatar-me no programa de pós-graduação da PUC de São Paulo, minha opção imediata foi o cinema de Roman Polanski. Meu desejo era discutir os aspectos existenciais em sua obra, mais especificamente, seus três primeiros longas-metragens, Faca na água, ainda na Polônia, Repulsa ao sexo e Armadilha do destino. Os três possuíam uma espécie de ligação temática que me agradava, algo que designei no projeto como "personagens instáveis, ora agressivos, ora amáveis, ou ambas as coisas ao mesmo tempo, mergulhados em um clima lúgubre, em uma passividade estéril, a bordejar o que Karl Jaspers definiria como situações-limites".

Foi um passo além das minhas pernas: conhecia apenas dois ou três filmes de Polanski, mas todos haviam me impressionado pelo desenvolvimento e pelos desfechos dramáticos. Tinha sido assim com O Inquilino, mas principalmente em um filme que havia assistido casualmente, Macbeth. Como estava muito vinculado às leituras existencialistas na época, resolvi tomar como método a fenomenologia e o problema da escolha e da liberdade, do indivíduo. Como aponto no projeto, "Em Repulsa ao sexo, a escolha de Carol (Catherine Deneuve) a faz mergulhar gradativamente em uma espécie de esquizofrenia claustrofóbica". Mais adiante, com respeito a Faca na água, "tal como na peça Entre quatro paredes, de Sartre, os três personagens convivem em um espaço limitado (um iate), onde a relação entre eles se deteriora progressivamente", daí a frase o inferno são os outros. 

O projeto foi apresentado e aprovado, e durante cerca de um ano organizei-me para estudar o cineasta polonês. Esse tipo de trabalho nos aproxima de maneira gradual e inexorável do tema, comi, dormi e tive pesadelos com cenários, roteiros e personagens polanskianos. Fiz o recorte do objeto a pesquisar, os três primeiros longas, as obras em P&B, e passei a reunir material. Investi em livros, em vídeos e mesmo durante uma viagem a Montreal, permaneci alguns dias na universidade local pesquisando textos de revistas e ensaios críticos de cinema. 

Longe de ser um autor marcante para mim, como qualquer um do nosso Cinema Novo ou da Nouvelle Vague francesa, o fato de ser um diretor pouco estudado, e com obras que podiam oferecer uma análise existencialista, avancei com entusiasmo. Passei a conhecer detalhes de sua vida, de seu percurso como diretor, de sua relativa independência com escolas europeias e descobri um diretor muito original, zeloso de seus trabalhos, competente na escolha dos temas e dos personagens que compunham seus filmes, além de amealhar um respeitável reconhecimento entre seus pares. Polanski foi para mim a descoberta do estudo crítico de cinema e da possibilidade de elaborar um ensaio transdisciplinar, cujo objeto não se limitasse à análise cinematográfica ou à interpretação filosófica e psicológica. Na verdade, ele me ofereceu um outro caminho profissional, que era o que mais procurava naquele momento, a educação.

Ao mesmo tempo que me aproximei da obra cinematográfica e da vida de Polanski, curiosamente apenas recentemente consegui me aproximar de sua pessoa, de saber de si, ainda que de modo breve, a partir de sua fala, de suas expressões corporais. A entrevista com o jornalista espanhol Joaquín Soler Serrano me revelou em uma hora o que meses de estudos não me haviam mostrado. Naqueles idos dos anos 1990, os acessos mais restritos, que excluíam a internet, permitiram a reunião de um razoável material bibliográfico, o qual estudei parcimoniosamente por poucos meses. 

Acabei que, em meio aos meus primeiros esboços de escritura, certo dia tomei a decisão de ir ao cinema pertinho de casa, estreavam a cópia nova de um filme chamado São Paulo Sociedade Anônima, do qual só conhecia o título, de um certo Luiz Sérgio Person, paulistano, de quem nada sabia. O choque foi tão impressionante que retornei para assistir a única sessão diária repetidas vezes. Foi o suficiente para mudar meu tema de pesquisa. Com a obra magna de Person, seria possível retomar minhas raízes, compreender um pouco mais a cinematografia paulista dos anos 1960, a sociologia urbana de minha cidade e ao mesmo tempo realizar um estudo do individualismo burguês de Carlos, o protagonista da narrativa, em suas escolhas e sua liberdade. 

A mudança radical em meus estudos não me fez esquecer a originalidade e inquietação do cinema de Roman Polanski.

(atualizado em 07.03.2021)



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