05 novembro 2020

As dificuldades para superar a intolerância

 

Sófia, 1994


Uma vez instalada, a intolerância política é de difícil trato. Para enfrentá-la, e penso aqui em seu enraizamento em regimes totalitários que vingaram no século XX, os fascismos europeus dos anos 1930; os regimes autoritários pós-guerra no leste europeu; os regimes militares nos anos 1960 e 1970 que proliferaram nas Américas, para não dizer no pós-colonialismo imposto pelas antigas metrópoles em muitas partes da África, as dificuldades foram imensas e sempre dolorosas para os povos submetidos. A intolerância acompanha em maior o menor grau a violência discursiva, a repressão policial, a ausência de coerência jurídica e consequentemente, a prática de ações da elite dominante, o conhecido dois pesos e duas medidas - para os nossos a parcimônia da lei, para eles o peso da condenação. 

Tudo isso para comentar o drama que foi reconstituir o estado democrático de direito na Bolívia, a dificuldade em superar uma Constituição autoritária no Chile, e agora a dura luta para se superar o trumpismo como arremedo de prática política nos Estados Unidos. A Espanha ainda sofre com o legado franquista, os países da América Central não conseguem superar a violência dos regimes militares dos anos 1980, o Brasil perdeu seus desígnios com a fragmentação social, política e cultural que o período militar produziu, ao reforçar os vícios autoritários de uma casta privilegiada, que nos jogou aos braços da desigualdade e da segregação social. Sem um fundamento crítico, sem um processo educativo que pudesse despertar as consciências para uma percepção de mundo mais justo, ou menos alienado, sucumbimos ao canto da sereia do bolsonarismo, assim como os estadunidenses às diatribes de Trump.

Imaginando que com esses representantes a vida ficaria mais fácil e os problemas estruturais e conjunturais da sociedade eliminados, o voto significou a vinculação a modelos políticos caricatos, que sobrevivem justamente nas junções dos pedaços que a ausência de uma compreensão solidária produziu. A questão, lá como aqui, é como afastar de maneira democrática essas lideranças fáusticas que se utilizam de todos os subterfúgios para se perpetuar. A vitória de Biden parece ao alcance - embora isso não signifique qualquer transformação no modo imperialista de ser do governo estadunidense - mas o custo pós-eleitoral será imenso. O mesmo se dará aqui, acreditando-se na superação do bolsonarismo em 2022. 

As sementes da perfídia foram lançadas e a primeira colheita já realizada. Nada será como antes, quero dizer, dentro do comportamento respeitoso de quem ganha ou perde. Cada vez mais a compreensão sensível das diferenças é substituída pela força bruta de um embate de UFC, onde a violência e o sangue são partes indispensáveis para algum resultado.



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