23 novembro 2020

Imagens de viagem, 1991

 

Roteiro de viagem - de 09.02 a 15.03.1991

Foi uma experiência única e arriscada. Na minha 3a. viagem para a Europa, realizada no inverno de 1991, optei por registrar as paisagens a partir de tomadas de imagens sequenciais, com uma pequena câmera Kodak autorebobinável. Era o que podia fazer para imagens em grande angular, e quando retornei ao Brasil, revelei as fotos e produzi um grande catálogo com pranchas de cartolina, montando as paisagens. Na época, o resultado foi bastante apreciado por meus amigos, e ao final de algumas exibições, guardei o volume e praticamente o esqueci. 

Duas semanas atrás, resolvi retomá-lo e digitalizar as imagens, não apenas para preservá-las, como também para expô-las nas redes sociais. O resultado obtido há três décadas parece quase risível diante das possibilidades tecnológicas de hoje, mas ainda assim a recuperação das imagens, passando por um leve restauro de filtros, me parece bastante positivo. A única cidade que não capturei por minha Kodak foi Paris, que em razão da profusão de imagens obtidas em viagens anteriores, deixei de lado. Na cidade, fiquei a maior parte do tempo, praticamente duas semanas, em razão de um curso de civilização e cultura que fiz na Aliança Francesa.

Meu objetivo era Berlim. Um ano e meio antes, em julho de 1989, passei pela cidade por apenas um dia, tempo suficiente para registrar as cercanias do Tiergarten e do muro, que seria derrubado três meses mais tarde. Por conta dessa "falha imperdoável" de minha parte, resolvi voltar e ficar um período mais amplo. Ainda assim, meus percursos se restringiram a uma área expandida da região central, alcançando partes da antiga Berlim oriental. Visitei museus, circulei pelas ruas, bastante impressionado com os amplos espaços vazios que um dia fora a Potsdammerplatz e cercanias. O filme de Wim Wenders, Asas do Desejo, me impôs esse retorno mais extenso, detendo-me em locais que compuseram os cenários do filme. 

Uma parte dos resultados divulgo abaixo. Depois de passar por Colônia, Bonn, Hamburgo, Copenhagem e Estocolmo, uma média de três dias por cidade, cheguei a Berlim, onde fiquei quatro. Os trajetos foram cobertos em grande parte por trem, salvo no trecho entre Dinamarca e Suécia, realizado por ferry. Minhas estadias foram cumpridas em albergues da juventude. Gosto dessa viagem em especial pois além do meu regresso a Berlim - uma Berlim que pode se ver, mais cinzenta e em reconstrução - fiz minha única visita até hoje à Escandinávia. 

Foi uma das poucas ocasiões em que não computei os custos de modo preciso, grosso modo os gastos giraram em torno de 1.000 dólares, fora as passagens de trem, reservadas antecipadamente com o Eurailpass.




Colônia


Bonn - Münsterplatz


Hamburgo - Binnenalster


Copenhagem


Estocolmo - praça Sergels, vista da Kulturhuset



Estocolmo - Estádio Rasunda (já demolido)


Berlim - Ku'damm 1


Berlim - Ku'damm 2 (em primeiro plano, um Trabant)




Berlim - Potsdamerplatz




Berlim - Porta de Brandemburgo




Berlim - Alexanderplatz




Berlim - restos do muro




21 novembro 2020

Meus encontros com Pino Solanas

 

Com Solanas na Augusta


A primeira vez ocorreu em uma sala de cinema, no final dos anos 1990, logo após o lançamento do seu A Nuvem (La Nube, 1998). Saí da sala de projeção verdadeiramente impressionado e muito desejoso de saber mais sobre o autor. De algum modo, foi o momento catalizador para me aproximar com admiração da onda do novo cinema argentino, que estava para começar, com Juan Campanella, Pablo Trapero, Lucrecia Martel, Daniel Burman, dentre outros. Tornar-me-ia um fã incondicional dessa escola cinematográfica, que produziria tanto com tão poucos recursos, apresentando ao mundo uma forma acabada de contar histórias, sempre com um fundo político nos roteiros. 

Em princípios de 2003 ou 2004, eu o veria ao vivo pela primeira vez, agora expressando-se não como diretor, mas como uma liderança política. Foi no Fórum Mundial de Porto Alegre, pude ouvi-lo em sua decidida contundência pela luta soberana de nossa Latinoamerica. Estava acompanhado, e por essa razão não me aproximei ao final de sua fala, para apresentar-me e conversar o mínimo que fosse sobre política e cinema. Pino a essa altura ainda não havia enveredado em sua trajetória política partidária, iria se candidatar mais tarde, a princípio aliado ao kirchnerismo, mas aos poucos se distanciando por uma vereda confusa de um peronismo nacionalista mais radical, em seu Proyecto Sur, cujo discurso o levaria a deputado federal e mais tarde ao senado. 

A terceira vez ocorreu pouco depois, em meados de 2007. Fiz uma viagem sentimental a Buenos Aires, sozinho, reencontrando-a depois de 15 longos anos. O novo cinema argentino estava em franco desenvolvimento e decidi trazer na bagagem alguns títulos em vídeo, para eventualmente apresentar em nas aulas de Comunicação Comunitária, na Faap. Um deles foi o maravilhoso La dignidad de los nadie, lançado dois anos antes, que relata o drama da crise social e política vivenciada pelos argentinos em 2001. As turmas de cinema puderam ver trechos desse filme e minhas palavras a respeito de Solanas em ótima forma, que não só dirigiu, mas escreveu o roteiro, produziu e atuou. Foi o terceiro filme de uma trilogia, Memoria del Saqueo (2004) e La Resistencia (2005).

A última vez que o encontrei foi em 2018, como mostra a imagem que encabeça a postagem, na véspera das eleições presidenciais do Brasil. Estávamos em plena Mostra de Cinema e no cinema em frente de casa tive a chance, por fim, de assistir seu maravilhoso La hora de los Hornos, que completava cinquenta anos. Fiquei sabendo que ele estaria para uma conversa com o público, e ao dar uma saída para o café, o encontro na porta do cinema. Desta vez o detive delicadamente e me apresentei, comentando meu apreço por sua obra e pedi para sacar una foto

Poucas vezes senti tanto orgulho em estar ao lado de alguém, e o destino me ofereceu Fernando Solanas, esse grandioso cineasta peronista! Ao contrário de sua expressão habitual fechada, marcada pelos fortes embates da vida, ofereceu-me um amável e receptivo sorriso.



09 novembro 2020

Poesia 07

 

by Juan Rulfo


                HUMANO, TOLAMENTE HUMANO

 

 

                                        $    $

                    a revolução está emperrada

                    as cabeças agora

                    raciocinam

                    que é

                                mais fácil

                                                    comprar

                                                            um

                                                 agasalho e

                     sair fazendo jogging  por  aí

                                       $    $

 

 


                                                                  (jun/83)



05 novembro 2020

As dificuldades para superar a intolerância

 

Sófia, 1994


Uma vez instalada, a intolerância política é de difícil trato. Para enfrentá-la, e penso aqui em seu enraizamento em regimes totalitários que vingaram no século XX, os fascismos europeus dos anos 1930; os regimes autoritários pós-guerra no leste europeu; os regimes militares nos anos 1960 e 1970 que proliferaram nas Américas, para não dizer no pós-colonialismo imposto pelas antigas metrópoles em muitas partes da África, as dificuldades foram imensas e sempre dolorosas para os povos submetidos. A intolerância acompanha em maior o menor grau a violência discursiva, a repressão policial, a ausência de coerência jurídica e consequentemente, a prática de ações da elite dominante, o conhecido dois pesos e duas medidas - para os nossos a parcimônia da lei, para eles o peso da condenação. 

Tudo isso para comentar o drama que foi reconstituir o estado democrático de direito na Bolívia, a dificuldade em superar uma Constituição autoritária no Chile, e agora a dura luta para se superar o trumpismo como arremedo de prática política nos Estados Unidos. A Espanha ainda sofre com o legado franquista, os países da América Central não conseguem superar a violência dos regimes militares dos anos 1980, o Brasil perdeu seus desígnios com a fragmentação social, política e cultural que o período militar produziu, ao reforçar os vícios autoritários de uma casta privilegiada, que nos jogou aos braços da desigualdade e da segregação social. Sem um fundamento crítico, sem um processo educativo que pudesse despertar as consciências para uma percepção de mundo mais justo, ou menos alienado, sucumbimos ao canto da sereia do bolsonarismo, assim como os estadunidenses às diatribes de Trump.

Imaginando que com esses representantes a vida ficaria mais fácil e os problemas estruturais e conjunturais da sociedade eliminados, o voto significou a vinculação a modelos políticos caricatos, que sobrevivem justamente nas junções dos pedaços que a ausência de uma compreensão solidária produziu. A questão, lá como aqui, é como afastar de maneira democrática essas lideranças fáusticas que se utilizam de todos os subterfúgios para se perpetuar. A vitória de Biden parece ao alcance - embora isso não signifique qualquer transformação no modo imperialista de ser do governo estadunidense - mas o custo pós-eleitoral será imenso. O mesmo se dará aqui, acreditando-se na superação do bolsonarismo em 2022. 

As sementes da perfídia foram lançadas e a primeira colheita já realizada. Nada será como antes, quero dizer, dentro do comportamento respeitoso de quem ganha ou perde. Cada vez mais a compreensão sensível das diferenças é substituída pela força bruta de um embate de UFC, onde a violência e o sangue são partes indispensáveis para algum resultado.