04 julho 2019

Ao sabor das estrelas

John Coltrane

O que faz com que optemos por caminhar no sentido do precipício? Redução, eliminação, perdas de direitos trabalhistas, previdenciários, oferecemos com uma mão e não recebemos nada em troca, a não ser uma vaga promessa de mais emprego, mais crescimento econômico. O neoliberalismo se esmera em isolar o indivíduo em sua luga inglória por um pódio, por um brilho efusivo ainda que obtido na marra, onde mérito se confunde com arranjos éticos obscenos. 

previsão é que até novembro deste ano sejam conspurcados nossos direitos e dessa maneira nossa forma de compreender o trabalho e o tempo que o sucede. Como se definirá? Restará nesse mundo apenas o direito a se esfalfar durante décadas por um mirrado salário, até o fenecimento do corpo? Haverá alguma chance de preservar o equilíbrio entre corpo e espírito, ou só haverá chance para o despautério moral, a luta infindável pela sobrevivência? 

Os discursos midiáticos já se encaminham para o reconhecimento bancário, ça veut dire, o esforço diário em nome do anonimato e da gratidão. As pessoas se corrompem ao tolerar seu quinhão patético e já estranham quando deparam com aqueles que incorporam a luta por um ideal igualitário. Assumem o que lhes resta, o consumo e a projeção egoica e terminamos com os sonhos mal definidos de uma caminhada digna, nas alamedas convidativas do Estado de direito democrático.

De outra parte, já segregado desse mundo de trabalhos forçados, sigo organizando meus textos e realizando as leituras indispensáveis. Moniquinha viaja por Portugal com seus familiares, ainda ficará mais dez dias vivenciando este lindo momento. De quando em quando nos comunicamos, é visível sua satisfação, o momento de pura leveza. Aguardo-a ansiosamente. 

Enquanto isso retomo o caminho das letras. A imagem de Coltrane com seus saxofones é a imagem simbólica da próxima obra. Ontem estive na pequena editora que me publicou, para uma saudável conversa com o editor e outros autores. Expressei meu desejo em ler os escritores da casa, que já somam centenas. Está aí um trabalho que merece todo o reconhecimento, a publicação sem um tostão de custo, sem interesses gananciosos, sem grandes demoras, onde o objetivo é divulgar e disseminar literatura. Dessa maneira, muitos bons escritores condenados ao silêncio têm a oportunidade de apresentar seu trabalho. 

De minha parte, retomo a singela proposta lá do início, ler e escrever. Retomo esse universo das letras, mais ameno, sem cobranças infundadas, que se deixa levar ao sabor das estrelas.

(atualização em 25.09.2020)


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