O punctum, a reação do zagueiro sueco |
Em um
tempo onde o futebol não vale a fortuna que se paga para vê-lo, recupero
momentos em que era possível apreciá-lo com alguns tostões no bolso - e um
atuando em campo. Para começo de conversa, o prazer da apreciação: o que não
víamos no campo, ficávamos a deleitar nos momentos captados pelos fotógrafos,
folheando as revistas esportivas. Separo aqui três dentre muitas imagens que me
marcaram a infância e percorrendo a vida, ainda me tocam pelo gestual de seus
actantes, pelo enquadramento do fotógrafo, pela composição geral.
Na
primeira imagem, o último lance significativo da copa de 1958, quando os
anfitriões tudo fizeram para que o palco da final estivesse impecável, drenando
com grandes esponjas as poças de água acumuladas no campo. O que me chama a
atenção é o jovem Pelé caído após o cabeceio, o goleiro na resultante de seu
inútil esforço em deter a bola e o defensor sueco em sua primeira e instintiva
reação de que tudo estava perdido. Era o quinto gol da seleção brasileira,
pouco depois dos suecos marcarem seu segundo gol e alimentarem, quem sabe, a
possibilidade de uma reação.
Uma imagem perfeita, que condensa os elementos da tragédia |
Na
segunda imagem, talvez o enquadramento mais feliz de uma cena de futebol. Nela
estão presentes todos os componentes do drama que seria mais tarde denominado
como Maracanazo. Em primeiro plano a bola dentro do gol, em um
plano intermediário, a alegria de Ghiggia, Barbosa batido com o zagueiro
Juvenal levando a mão à cabeça e ao fundo, a massa torcedora prestes a se dar
conta do fatídico. A foto é mais densa, mais completa, pela minha edição tive de
recortar o quarto actante da cena, o lateral Bigode, que estaria no canto
esquerdo, finalizando seu esforço em deter o chute do jogador uruguaio.
O que me
impressiona na composição é o momento fortuito e calculado de sua composição: o
fotógrafo capta não o momento supremo da bola entrando, não haveria tempo para
as reações dos personagens. A bola entrou, bateu na rede do lado oposto e
percorre o fundo do gol. Aí sim, é possível compreender o posicionamento
"estranho" da bola em relação ao atacante celeste, o ângulo não
comprova que se trata do instante imediato após o chute; a fração de tempo que
passou após a bola entrar explicaria o tempo suficiente para as reações,
incluindo a do autor da imagem.
O toque ágil de Tostão |
A terceira foto, publicada na revista Fatos & Fotos de agosto de 1969, talvez seja a que mais me impressionou. Este é o primeiro jogo do Brasil nas eliminatórias da copa de 1970. O jogo é no El Campim de Bogotá, Tostão acaba de empurrar a bola e fazer o segundo gol da seleção, baldados os esforços do goleiro Largacha, que "bateu roupa" na falta cobrada por Pelé. Há os rostos de satisfação de Jairzinho e ao fundo, de Edu; Tostão tem o olhar de um verdugo, salta o goleiro e vê a bola tocada com esmero para o fundo das redes.
Ainda
jovem, vi e revi esta imagem que acabou me inspirando em meus gols nos jogos de
rua, gostava de reproduzir a habilidade de Tostão e tocar a bola saltando o
goleiro. Sem dúvida o feliz enquadramento do fotógrafo, posicionado ao lado
esquerdo do gol, captou de maneira feliz o instante, coloca-nos como participantes privilegiados do lance, ora como integrantes do time de Tostão e Cia, ora consolados como companheiros de Largacha, o que define é a apreciação das expressões tão bem definidas. Uma saborosa magia que me alimentou por anos a fio.
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