No auditório Carlos Zara,
CEU Butantã
Um sentimento desconfortável me toma
de quando em quando, basta refletir sobre as circunstâncias políticas que nos
envolve nestes tempos. Uma espécie de cinismo coletivo se estabelece, abrindo
espaço para o oportunismo a qualquer preço, e talvez mais do que isso, a
ruptura de um paradigma moral de cuidado e respeito, para que um forte anseio
competitivo se instale no tecido social, eliminando o constrangimento nas
relações.
Nesse sentido, compreende-se
perfeitamente o papel desses autores como Theodore Dalrymple, que despertam a
indiferença e o desprezo sob a chancela da responsabilidade, colaborando para
que cada um esteja livre de sentimentos generosos para seguir trilhando o
caminho da liberdade individual, ou digamos, liberal. Atravessamos esse tempo
de falsas ousadias que mobilizam o indivíduo, como um animal voraz, para a
frente, em detrimento de todo o processo histórico-cultural da sociedade. Um
tempo que só alimenta os hipotéticos desafios que vêm pela frente, e de que
maneira a monetização pode contribuir para se levar vantagem.
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Desde ontem as dores
pelo corpo, o cansaço que de algum modo me traz prazer pela atividade intelectual
que realizo, mas que é bem desgastante. Acrescidas às não muitas aulas
semanais, tenho realizado neste semestre uma série de palestras em diversos
pontos da cidade, normalmente nas periferias. Já estive no Grajaú, em São João
Clímaco, São Miguel Paulista e no Butantã, sábado encerro a série indo a Santo
Amaro.
O prazer se deve à discussão sobre
sujeitos de direito e nessa chave, a possibilidade de discutir com educadores
e educadoras da rede pública municipal a formação do Brasil, a partir dos
pensadores que discuto em sala de aula, Darcy Ribeiro, Caio Prado Jr., Jessé
Souza, os saraus com Sérgio Vaz, a pedagogia com Paulo Freire. Trata-se de um
exercício de enfrentamento a esse estado de coisas brutal que dilapida aos
poucos nossos direitos civis e trabalhistas. Mais uma vez o poder das elites
dominantes, grosseiro, sem qualquer contato com a realidade cotidiana, lança
seus tentáculos sobre o povo brasileiro para sugar o máximo de mais valia,
ruminando sua necessidade crescente de poder.
O movimento de espoliação dos
direitos do povo é universal, como se o capitalismo, acuado, necessitasse
manifestar seu derradeiro esforço voraz, insano, destruidor. É desse modo que
sentimos, daqui de baixo, esse tsunami potente que pretende redesenhar a
civilização a partir de novos paradigmas morais, cívicos e trabalhistas. Nada
parece deter essa nova ordem nascida do apetite dos conglomerados empresariais e financeiros,
que a tudo devoram sem parcimônia. Se no mundo temos o fato legitimado por
atores políticos cooptados pelo Capital, no caso brasileiro a destruição ganha
impulso com o golpe institucional.
Tempo de revisitar Naomi Klein em sua obra A doutrina do choque, muito oportuno para compreender esse momento de ações
intempestivas e nada democráticas perpetradas em nome da 'liberdade individual'. E conhecer o livro de Jessé Souza recém-lançado, A Elite do Atraso - da escravidão à lava-jato, para dimensionarmos a mediocridade histórica de nossa classe dominante.
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