24 dezembro 2015

Chico e os ruídos da pós-modernidade




Acabo de ler sobre um dos marmanjos justiceiros que interpelaram o nosso Chico Buarque no espaço público do Rio. No momento em que estava acompanhado por outros coatores, pareceu valente em criticar o músico pelo simples fato de ser simpatizante do PT, de novo a mesma fórmula, uma espécie de indignação cívica que perpassa esses tipos, como se o PT fosse a causa fulcral de todos os males da nação. A cena foi gravada, as agressões são audíveis, porque são palavras iradas, que se movem pela intolerância, que pretendem impregnar e jamais aceitar um contraditório. Já as respostas de Chico são esparsas, compreende-se uma ou outra frase. Agora o sujeito, um tal de Alvarinho, não se faz de rogado ao dizer que "xingar o senhor Chico foi um erro", e apresenta os sintomas naturais de covardia que demonstram todos os agressores proto-fascistas, tentando livrar a cara para não permanecer a marca pesada da ignorância. 

O episódio não difere em seu formato dos ataques verbais ocorridos anteriormente, no mesmo feitio, quando grupos de corajosos defensores da democracia lançam invectivas de péssima qualidade, contra personalidades do PT. Assim foi com Mantega, então ministro da Fazenda, em um restaurante, assim foi com Haddad, nosso prefeito de São Paulo, em pleno debate na livraria Cultura. Chegamos ao tempo da miséria do argumento, que não se envergonha em mostrar sua cretinice no espaço público. Isso me faz agora lembrar de uma sequência de O Gordo e o Magro, em que a esposa de Oliver Hardy lhe pede para não se esforçar em ser mais idiota do que ele já mostrava ser. Bem, isso era engraçado, as trapalhadas de Oliver Hardy com seu amigo Stan Laurel incorporavam inocência e diversão, e por isso saborosas.

Destaco o argumento de David Harvey sobre a pós-modernidade, "a ação só pode ser concebida e decidida nos limites de algum determinismo local, de alguma comunidade interpretativa, e os seus sentidos tencionados e efeitos antecipados estão fadados a entrar em colapso quando retirados desses domínios isolados, mesmo quando coerentes com eles", o que nos parece claro o gesto fragmentado desde sua origem e pouco propício a ganhar consenso político nas massas. Assim, o relativismo idiota exercitado em praça pública torna-se o must dos garotões sarados dos Jardins, e para isso não é necessário nenhum recurso intelectual, basta um babaca para comandar o espetáculo de incontinência verbal e um iphone para registrar o fato. 

Nos anos 1960, os brucutus do CCC assumiam uma postura ideológica claramente de direita e se uniam a paramilitares para cometer suas agressões públicas, mas raramente eram identificados. O projeto da violência política alinhava-se com uma proposta vencedora, que formularia as leis de segurança nacional, em defesa dos ideais de um sistema de exceção. Hoje, o estado de direito predomina, não há o que temer neste sentido. Resta o vago discurso contra a corrupção, pautado pelas manchetes da mídia corporativa, que se expande pelas plataformas digitais em sua vertente agressiva. Quando mais os atores abjetos assumem a orientação desse discurso, mais o espetáculo se faz incivilizado, mais ele se torna uma farsa. 

Alvarinho, como os demais agressores, teve seus breves minutos de fama, e agora não sabe o que fazer com isso. Pior, mostra a mesma covardia desse proto-fascismo sem consistência, que na hora de se revelar com mais força, sucumbe e pede arrego. Eis as consequências: "Fui ao shopping comprar presentes de Natal e fui xingado. Também recebi uma ligação anônima com ameaças. Acho muito desagradável tudo isso bem na hora do Ano-Novo. Se meus pais decidirem, terei que voltar (a Londres)"[1]. 

Uma vez filhote de papai, sempre um. Diluído em seu próprio discurso, não consegue encontrar forças para sustentar uma posição que justifique minimamente sua agressão. Optará pelo mais fácil, retornar ao seu exílio luxuoso de Londres, onde por certo não ousará tomar atitude semelhante contra uma autoridade pública de lá. 

Torna-se difícil entender os objetivos dessas manifestações impulsivas e criminosas: não carreiam adesões e se perdem na própria covardia dos atores, que ao contrário de permanecerem ativos, escondem-se da forma mais conveniente. O gesto suicida não encontra a mínima sustentação epistemológica, como disse acima, é a continuidade indefinida de um arremedo de pequenas bravatas contra a corrupção do PT, mancomunadas com notícias de capa da revista Veja e alguma fala assimilada dos âncoras de telejornais. Mais nada. Não se dão ao esforço de aprofundar seu ódio em argumentos do conservadorismo pós-moderno, que encontra em T.Darlymple, R.Kirk ou T.Sowell alguns de seus representantes. 

De modo que fico com a imagem serena e contemplativa de Chico, com a história de seus engajamentos, ao som de sua obra exuberante, que nos contempla como cidadãos brasileiros. Ele nos tem a dizer muito mais coisas do que as razzias fúteis, frágeis, fenecidas, proporcionadas pelos mesmos sujeitos históricos a serviço de frívolos interesses.





[1] http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/210833/Alvarinho-diz-que-%E2%80%9Cxingar-o-sr-Chico-foi-um-erro%E2%80%9D.htm, acesso em 23/12/2015.


Nenhum comentário: