Um belíssimo lançamento, com diversos olhares sobre a Cena Cosplay, organizado com muita competência pela querida Mônica Nunes, do qual tenho a satisfação de participar com um texto, "Espaço urbano, performance e memória: a poética do corpo na poesia marginal e na cena cosplay". Procurei desenvolver e ampliar uma discussão elaborada em congressos, e que se origina em minha dissertação de doutorado, aqui ganhando novas leituras com o acréscimo da cena cosplay. No ensaio, procuro tratar da presença das culturas juvenis no espaço urbano, em especial os poetas marginais e os cosplayers, suas formas de representação social, seus exercícios de sociabilidade. Procurei destacar a narrativa do corpo performático, aspecto fundamental em ambas as práticas culturais.
No sítio da editora Sulina há um bom resumo sobre a temática discutida no livro:
'Com base em pesquisa de campo em eventos de animes nas capitais da região Sudeste do Brasil, os dez artigos que integram este livro abordam a cena cosplay em seu engendramento e suas articulações com outras cenas urbanas, como a poesia marginal; com o jogo e a cognição; com a moda e as paisagens sonoras geradas; com o universo dos games e das coleções de objetos pop.'
Destaco abaixo pequenos trechos do meu texto. O convite para o lançamento será divulgado oportunamente:
'Com base em pesquisa de campo em eventos de animes nas capitais da região Sudeste do Brasil, os dez artigos que integram este livro abordam a cena cosplay em seu engendramento e suas articulações com outras cenas urbanas, como a poesia marginal; com o jogo e a cognição; com a moda e as paisagens sonoras geradas; com o universo dos games e das coleções de objetos pop.'
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Destaco abaixo pequenos trechos do meu texto. O convite para o lançamento será divulgado oportunamente:
"(...) Vimos nas ocorrências dos rolezinhos, em junho de 2013, a busca por espaços estruturados de entretenimento e de consumo ainda faltantes nas periferias. Os cidadãos das periferias – e muitos dos que participam dos circuitos dos saraus poéticos e da cena cosplay – percorrem necessariamente os circuitos globalizados, desejando e consumindo seus produtos. Movimentam-se em busca do que há de mais contemporâneo, a resposta aos estímulos formulados pelos brilhos faiscantes dos centros de consumo. Considerando a matriz de bloqueios, ou mesmo a segregação social (os baixos acessos aos bens públicos), há que se compreender melhor essa vertente de buscas. Ainda que os equipamentos de consumo e seus circuitos se expandam pela cidade, não significa dizer que essa possibilidade de encantamento seja a norma exclusiva a ser alcançada. É importante verificar as práticas culturais como opções interessantes de consumo cultural, como é o caso aqui analisado dos cosplayers e dos poetas marginais.
De todo modo, esse entramado de linhas que se cruzam e entrelaçam caracterizando a fruição social no espaço urbano é regido por um poderoso setor, denominado por Flávio Villaça de quadrante sudoeste. Para ele, existe um padrão de desenvolvimento intraurbano das metrópoles brasileiras, que seguem uma estruturação definida pelos interesses históricos da classe média. No caso de São Paulo, a centralidade original da cidade, definida pelo sítio original na região da Sé, sofre um deslocamento espacial no sentido sudoeste, alcançando a região da avenida Paulista e mais recentemente a região da avenida Luis Berrini. Trata-se de uma expansão estimulada pelo capital imobiliário, proporcionando uma área de segregação que atrai os equipamentos urbanos e estabelece uma dominação sobre o espaço intraurbano como um todo. Segundo Villaça, “a segregação é um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole”.
Tal concentração não ocorre de modo homogêneo, exclusivo. Um exemplo é o bairro de Paraisópolis, um enclave de renda baixa no valorizado bairro do Morumbi; assim como na expansão do quadrante sudoeste, os ricos formam seus enclaves ao se aproximar dos bairros de populações mais pobres. Por isso a presença crescente dos muros com arames eletrificados, estabelecendo os limites fronteiriços das áreas de poder político e econômico das classes de alta renda. Ainda Villaça: “As burguesias produzem para si um espaço urbano tal que otimiza suas condições de deslocamento (grifo meu). Ao fazê-lo, tornam-se piores as condições de deslocamento das demais classes”. A apropriação dessa centralidade oferece um controle pulverizado das classes de alta renda, trazendo para mais próximo dela os equipamentos de controle da sociedade, seus empregos, seus serviços, adaptando a cidade a seu modo preferencial de locomoção, o automóvel. (...)
(...) Ao longo das etnografias realizadas com os cosplayers, um aspecto que modificou minha maneira de compreendê-los foi observar como não se incomodavam em incorporar suas personagens em pleno no espaço público, a caminho dos eventos. A expressão é bem essa, incorporar, dar forma corpórea a uma representação, da maneira mais natural possível, “quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna” (Moscovici...). Significa dizer que, a personagem do cosplay está naturalmente presente, a representação passa a ser incorporada no cotidiano, para além dos eventos e das relações compartilhadas com outros cosplayers, e guardadas as devidas proporções, “cessa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se, em vez disso, duradouro, permanente, quase imortal” (Moreira...). A criação da representação se dá de maneira intensa, enquanto dura, havendo certa restrição nas circunstâncias em que existe o risco de manifestações preconceituosas, como veremos adiante. Vestir o cosplay escolhido é um ritual que se constrói desde a confecção material e termina em meio aos eventos, na companhia dos amigos e do público participante. Em muitos casos, o corpo assume a fantasia do ídolo antes da cena cosplay, no trajeto de casa até o lugar do evento (...).
(...) Temos também a violência como um elemento constitutivo da vida cotidiana das periferias. Se excluirmos aquela regularmente praticada pelos órgãos de segurança pública, que possuem um caráter desagregador, podemos pensar sua função estruturadora “de novas expressões do social (...) e no plano da linguagem e das representações, como enunciação genuína e, às vezes, legítima de conflitos vivenciados no dia a dia da vida social” (Pereira et al...). De modo que integrantes de uma prática cultural de resistência esforçam-se por desafiar a desigualdade social ao exercitarem em alto e bom som a voz não ouvida, afirmando uma identidade, a da quebrada, aquela legitimada por suas atitudes. Em suas manifestações performáticas, as poesias incorporam esse discurso, o corpo do poeta está nu, no sentido figurativo, pronto para gerar o seu tema na performance de cada verso declamado. (...)
(...) Uma vez estabelecidos os contornos da espacialidade intraurbana, transitamos em seus meandros e em suas interpretações a partir das narrativas de práticas culturais distintas – a escritura marginal e o cosplay – com leituras peculiares de comportamento social. Ainda que o entramado do espaço urbano seja percorrido por trajetórias que delineiam uma rede de circuitos sociais, persiste a estrutura física da cidade de muros, a exclusividade e o predomínio econômico de um setor associado à centralidade econômico-política denominado quadrante sudoeste. Persiste a desigualdade social, cartografada com ilhas de bem-estar por um lado e de espaços de precariedade de outro, imbricados e amalgamados nos interstícios da cidade. Se por um lado as vozes dos poetas periféricos preservam o tom da contestação e da resistência, por outro os jovens cosplayers desfrutam do prazer da cena, sem de alguma forma desconsiderar as relações sociais. Em ambos, a representação performática se mostra como um suporte semântico de múltiplos significados, definidos por heróis e enredos memoriais, que os impulsiona para novos desejos, para novas experiências coletivas, a partir de um crescente acesso aos bens de consumo. (...)"
(...) Ao longo das etnografias realizadas com os cosplayers, um aspecto que modificou minha maneira de compreendê-los foi observar como não se incomodavam em incorporar suas personagens em pleno no espaço público, a caminho dos eventos. A expressão é bem essa, incorporar, dar forma corpórea a uma representação, da maneira mais natural possível, “quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna” (Moscovici...). Significa dizer que, a personagem do cosplay está naturalmente presente, a representação passa a ser incorporada no cotidiano, para além dos eventos e das relações compartilhadas com outros cosplayers, e guardadas as devidas proporções, “cessa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se, em vez disso, duradouro, permanente, quase imortal” (Moreira...). A criação da representação se dá de maneira intensa, enquanto dura, havendo certa restrição nas circunstâncias em que existe o risco de manifestações preconceituosas, como veremos adiante. Vestir o cosplay escolhido é um ritual que se constrói desde a confecção material e termina em meio aos eventos, na companhia dos amigos e do público participante. Em muitos casos, o corpo assume a fantasia do ídolo antes da cena cosplay, no trajeto de casa até o lugar do evento (...).
(...) Temos também a violência como um elemento constitutivo da vida cotidiana das periferias. Se excluirmos aquela regularmente praticada pelos órgãos de segurança pública, que possuem um caráter desagregador, podemos pensar sua função estruturadora “de novas expressões do social (...) e no plano da linguagem e das representações, como enunciação genuína e, às vezes, legítima de conflitos vivenciados no dia a dia da vida social” (Pereira et al...). De modo que integrantes de uma prática cultural de resistência esforçam-se por desafiar a desigualdade social ao exercitarem em alto e bom som a voz não ouvida, afirmando uma identidade, a da quebrada, aquela legitimada por suas atitudes. Em suas manifestações performáticas, as poesias incorporam esse discurso, o corpo do poeta está nu, no sentido figurativo, pronto para gerar o seu tema na performance de cada verso declamado. (...)
(...) Uma vez estabelecidos os contornos da espacialidade intraurbana, transitamos em seus meandros e em suas interpretações a partir das narrativas de práticas culturais distintas – a escritura marginal e o cosplay – com leituras peculiares de comportamento social. Ainda que o entramado do espaço urbano seja percorrido por trajetórias que delineiam uma rede de circuitos sociais, persiste a estrutura física da cidade de muros, a exclusividade e o predomínio econômico de um setor associado à centralidade econômico-política denominado quadrante sudoeste. Persiste a desigualdade social, cartografada com ilhas de bem-estar por um lado e de espaços de precariedade de outro, imbricados e amalgamados nos interstícios da cidade. Se por um lado as vozes dos poetas periféricos preservam o tom da contestação e da resistência, por outro os jovens cosplayers desfrutam do prazer da cena, sem de alguma forma desconsiderar as relações sociais. Em ambos, a representação performática se mostra como um suporte semântico de múltiplos significados, definidos por heróis e enredos memoriais, que os impulsiona para novos desejos, para novas experiências coletivas, a partir de um crescente acesso aos bens de consumo. (...)"
Cena Cosplay: Comunicação, Consumo, Memória nas Culturas Juvenis.
Mônica Rebecca F. Nunes (org.), Editora Sulina, 344p., 2015.
Mônica Rebecca F. Nunes (org.), Editora Sulina, 344p., 2015.