Sin pan y sin trabajo (Ernesto de la Cárcova)
'Em presença dos outros, o indivíduo geralmente inclui em sua atividade sinais que acentuam e configuram de modo impressionante fatos confirmatórios que, sem isso, poderiam permanecer despercebidos ou obscuros'.
Erving Goffman
comem a comida macia, sem exalar suspiros ou ruídos, tempo de recomposição das energias despendidas nos altos negócios. regozijam com o silêncio, justa pausa nas ávidas tensões. irmanam-se em torno do mesmo ideal, por um momento não se deixam fisgar pelo ritual dos movimentos de chegada e partida, de quem senta ou quem levanta. ou talvez sim, um bom tapinha nas costas de uma boa oportunidade de negócio, que esteja rolando ao lado da mesa, um 'curtir' facebookiano indispensável para não perder o prestígio. é hora de se alimentar, é hora de retomar as habilidades das mãos e das mandíbulas. uma procissão de gestos, os guardanapos a circundar metodicamente os lábios, as vozes amenas, o tilintar espaçado dos talheres na porcelana, as crianças disciplinadas em suas cadeiras especiais. apreensões imagéticas e sensoriais que se perderão para todo o sempre, mas que não deixarão de se reproduzir com o mesmo zelo, ou seja, nada se perde, tudo se recria. os sorrisos entediados dão lugar à seriedade do próximo ataque do garfo, ali o coq au vin, acolá o salmão poché, o profiterole como sobremesa. a senhora dos cortes demorados, o homem das garfadas compassadas, a jovem que rompe a sinfonia dos gestuais para silenciar a estridência do celular. foi o tempo certo para retomar as atividades, acaba de comer e os assuntos profissionais voltam a procurá-la. entre goles de café, insiste para que demitam a novata, aproveitem que ela perdeu a criança e volte a engravidar. A fala é macia, como a comida ingerida, pausada como os suspiros dos iguais, que simulam a naturalidade entediante dos que compreendem que ganhar dinheiro é, afinal, a resultante do bom gerenciamento em face das difíceis decisões...
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