Ainda não
li Pedro Páramo, de Juan
Rulfo, mas estou pronto, ou melhor dizendo, estou ansioso por fazê-lo.
Estimula-me a leitura da análise que Fuentes faz da novela, em seu maravilhoso La Gran Novela
Latinoamericana.
Traduzo abaixo uma pequeno trecho do capítulo, procurando preservar a deliciosa fluência descritiva que abarca a morte, o silêncio, a linguagem, o mito, no espaço vivenciado de Comala.
Traduzo abaixo uma pequeno trecho do capítulo, procurando preservar a deliciosa fluência descritiva que abarca a morte, o silêncio, a linguagem, o mito, no espaço vivenciado de Comala.
"O
silêncio é rompido pelas vozes que não ouvimos, as vozes mudas do gado mugidor,
da vaca ordenhada, da mulher parturiente, da criança que nasce, do volume sem
vida que uma mendiga embala em seu xale.
Este
silêncio é o da etimologia mesma da palavra mito: mu, diz-nos Erich Kahler, raiz do
mito, é a imitação do som elementar, res, estrondo, mugido, sussurrar,
murmurar, murmúrio, mutismo. Da mesma raiz provem o verbo grego muein, fechar, fechar os olhos, de onde
derivam mistério e mística.
Novela
misteriosa, mística, sussurrante, murmurante, mugida e muda, Pedro Páramo concentra assim todas as
sonoridades mortas do mito. Mito
e Morte: esses são os dois emes que coroam todas as demais antes que as
coroe o nome mesmo de México: novela mexicana essencial, insuperada e
insuperável, Pedro Páramo se resume no espectro de nosso
país: um murmúrio de poeira desde o outro lado do rio da morte.
A novela,
como é sabido, chamou-se originalmente Os
murmúrios, e Juan Preciado, ao
violar radicalmente as normas da sua própria apresentação narrativa para
ingressar ao mundo dos mortos de Comala, diz:
- Me
mataram os murmúrios.
Matou-o o
silêncio. Matou-o o mistério. Matou-o a morte. Matou-o o mito da morte. Juan Preciado ingressa a Comala e, ao fazê-lo, ingressa no mito encarnando o processo
lingüístico descrito por Kahler, e que consiste em dar a uma palavra o
significado oposto: como o mutus latim, mudo,
se transforma em mot francês, palavra, a onomatopéia mu, o
som inarticulado, o mugido, se converte em mythos, a definição mesma da
palavra.
Pedro Páramo é uma novela extraordinária, entre outras coisas,
porque gera a si mesma como novela mítica, da mesma maneira que o mito se gera
verbalmente: do mutismo do nada à identificação com a palavra, de mu a mythos
e dentro deste processo coletivo que é indispensável à gestação mítica, que
nunca é um desenvolvimento individual. O ato, explica Hegel, é a épica. Pedro Páramo,
o personagem, é um caráter de epopeia. (...)”
(tradução a partir do livro de Carlos Fuentes, La Gran Novela Latinoamericana, Editora
Alfaguara, 2011)
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