E se mergulhamos assim, nessa crise profunda e angustiosa, onde o sistema financeiro se arremete em desesperado gesto salvaguardar sua pele, está posto que esquecemos a essência da civilização. Em outras palavras, sobrevalorizamos o espírito de competição, aquele apropriado ao voraz instinto de sobrevivência, e abandonamos a civilidade do espaço público. Ficou mais oportuno privatizar interesses do que sociabilizar o convívio.
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As mentes deficitárias dos gabinetes se aperfeiçoaram em estratégias de exploração. Em seus quartéis-generais, emanam decisões que não consideram o corpo e o espírito humano. Não fazem ideia o que seja o pulsar da praça, com o encontro despojado das diversidades, a magia da música popular e dos bancos comuns, do algodão doce e da brincadeira das crianças, do calor dos cumprimentos e do canto das vozes.
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Desde que se meteram no enganoso desejo de cumprir metas artificiais, se distanciaram da dignidade humana, da verdade das palavras. Perderam o sentido da justiça social. Desde que desregularam normas em favor da montagem do mundo corporativo globalizado, o futuro transformou-se em metas esvaziadas, recheadas de números. A ideia de acumulação ultrapassou limites, fixou o referencial do indivíduo bem sucedido, nos tornamos mais armados e menos amados. Assim, os encontros motivaram oportunidades para especular, e a conversa, a possibilidade de mais cifrões.
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As economias centrais, molas propulsoras deste capitalismo sem face, sangra em meio a sua desfaçatez pós-moderna. Os rituais de sacrifício incorporam milhares de pessoas, no panteão do deus mercado. Mais doses de arrogância, que geradas nas mentes deficitárias dos gabinetes, alcançam os indivíduos e produzem uma sociedade mais temerosa, mais fragilizada, mais desvalorizada. Daí a frieza dos números, a indicar o corte na carne, a inexorável brutalização da sobrevivência.
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