30 outubro 2011

Sobre o fato e sua descrição


Acabo de ver uma transmissão límpida, pelo portal Terra, da vitória do Brasil na final do vôlei masculino, com imagem e som ambiente gerados pela organização do Pan, livre das peripécias discursivas dos narradores dos meios hegemônicos, sedentos por inflar as emoções.

As imagens fluíram generosas, para a livre apreensão do espectador. Sem a interpretação de uma locução restritiva, elas mostravam o frescor do momento, revelando o essencial da beleza plástica de cada lance. O enquadramento surgia oportuno, como o desenlace de cada ponto, rompendo com a descrição distanciada da transmissão, para celebrar a emoção vincada nas expressões dos jogadores. Uma delícia! É o que posso chamar de uma intermediação respeitosa, sem fanfarrices. 

Em outras palavras, prevaleceu o atrativo do espetáculo em si, descrito a partir de seus movimentos intrínsecos, oferecido como um saboroso banquete para nós, os espectadores.
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Na verdade, em muitos momentos destes Jogos Panamericanos, a verborragia narrativa nativa alcançou níveis desagradáveis, para não dizer constrangedores. Como se a cobertura estivesse despreparada para lidar com a importância do evento transmitido.
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Mudando um pouco o tema, mas ainda sobre a mídia hegemônica. Há três dias, quase nenhuma referência ao aniversário do ex-presidente Lula. Passou quase despercebido, prevalecendo o desprezo atávico das corporações, que resistem em reconhecer sua grandeza. Ontem, porém, a voragem extremada pelos detalhes do drama e da dor tomaram conta das redações dessas mesmas corporações, trazendo-o de volta ao proscênio. Entre um momento e o outro, o desaparecimento das diferenças, e a emergência do relato que se apropria do fato.


Fica, a partir de agora, exposta a disputa pela audiência, o que deve promover um esforço jornalístico mais próximo do espalhafato do que da informação.  


24 outubro 2011

Cristina Kirchner




A vitória de Cristina ultrapassa os limites da análise frívola de certos meios midiáticos tradicionais, que buscaram descaracterizar sua força e seu alcance. Se houve um apoio massivo da população, foi porque houve o reconhecimento de um projeto político vitorioso, aplicado ao longo destes últimos oito anos, em certos momentos, a ferro e fogo, mas sempre respaldado pela participação social. Os criminosos do último período ditatorial (1976-83) foram levados às barras da lei, para responder por seus delitos. A ousada Ley de Medios foi implantada após uma ampla consulta popular, pelas casas do poder legislativo vigente. A democracia se fortaleceu, o país saiu do marasmo econômico em que patinava há meros dez anos, para hoje em dia, constituir-se em um dos protagonistas da integração política, cultural e econômica da Unasul.

Recordo-me que em dezembro de 2001 estava em meio a uma roda de argentinos, em um albergue parisiense, e o choro se misturava ao desespero por não se saber o que viria no futuro próximo. A Argentina fenecia após dez anos de governo Menem (1989-1999), que se alinhou à política neoliberal, seguindo os ditames do famigerado Consenso de Washington, e após dois anos de governo Fernando de La Rúa (1999-2001), marcado pela instabilidade política, desemprego acima de 15%, aprofundamento da crise fiscal, gerando desconfiança no mercado financeiro internacional. 

Hoje, o momento institucional em nada lembra aqueles dias turbulentos e desalentados, em que o país, sem saída, se dobrou incondicionalmente à banca do FMI. Após oito anos, a Argentina tornou-se um país muito mais saudável (reservas recordes de mais de 50 bilhões de dólares; balança de pagamentos superavitária; previsão de crescimento do PIB em 2011 de 5,5%; taxa de desemprego estável em torno de 8%, contra, por exemplo, 24% em 2001), ainda que com alguns problemas estruturais (como a necessidade de mais investimentos na capacidade produtiva, que se aproxima do limite) a serem resolvidos. Junto à consolidação das conquistas, os desafios se colocam no horizonte do novo mandato de Cristina Kirchner.

Neste momento, torna-se fundamental realçar sua larga vitória, com quase 40% a mais que o segundo colocado, o que evidencia o apoio popular a um projeto econômico, à memória social, à militância política. La plaza de Mayo esta colmada de personas que festejan una grande victoria, que consignan el sueño de un pais más equitativo y justo.   


07 outubro 2011

Os labregos de nosso tempo




Riamo-nos dos labregos, dos lapuzes, dos labrostes da falsa aristocracia
Agripino Grieco


Foi mais um desses encontros sem consistência, que ocorrem ao nos lançarmos pelas calçadas congestionadas no cotidiano da metrópole. Seu olhar surpreso - e digo surpreso porque não contava em esbarrar em um conhecido naquele momento - foi absorvendo o viço da minha paciência. A cada comentário, via-o dobrar-se em si mesmo, como se o esforço por encontrar palavras o consumisse em um ato performático. Ainda fez um supremo esforço, bem reconheço, em valorizar a memória de seus percursos menos recentes. Mas os balbucios terminaram por formatar o luzidio cinzento das faces, e o esforço final culminou no comezinho das inutilidades que guardamos para essas ocasiões. 

Fez, então, uma nova tentativa, por um caminho que me pareceu o mesmo, agora sobejando o sucesso mais recente. Mas foi aí que o semblante substituiu a máscara e o corpo arquejou definitivamente em torno de si, a buscar-me com o mesmo interesse que um javali almeja as páginas abertas de um livro. Foi como se não houvesse interlocução e por essa razão a voz se distanciou, o eco da narrativa a vibrar sem a menor importância. Por fim alegou algum compromisso e despediu-se, impressionado consigo mesmo. Do encontro civilizador, restou o espasmo de uma alma fenecida, e, claro, a beleza do crepúsculo.