Recordo que em minha infância era comum passarmos um tempo em Congonhas, vendo os aviões decolando e aterrisando. Era um programa natural, familiar, nos finais de tarde dos domingos após a missa. As pessoas se acomodavam em uma longa sacada e contemplavam o movimento das aeronaves, os Constelations com quatro hélices, os passageiros embarcando ou desembarcando na pista, o cheiro de querosene, o ronco quádruplo ampliando ou se afastando, de acordo com as manobras, enfim, aquilo parecia um mundo distante do nosso alcance, por isso talvez gostássemos de apreciar. Depois, descíamos a imponente escadaria rumo ao saguão central e encontrávamos um movimento mais denso, que misturava visitantes com viajantes.
Em uma dessas ocasiões, lembro-me de um fuzuê mais acentuado que de costume. Diante do elevador, o time que encantava o mundo, a delegação do Santos Futebol Clube, que chegava ou partia para uma de suas infindáveis excursões. Também me lembro que, sem grande esforço, avançamos por entre as pessoas até alcançarmos o jogador mais procurado, Pelé. Frente a frente, aquele instante que costuma congelar a passagem do tempo. Com um belo sorriso, ele me estendeu a mão e pude cumprimentá-lo, sem ter noção exata da dimensão do acontecimento.
Sempre que rememoro esse momento, deixo-me levar por uma satisfação muito pessoal, que se renova desde aquela longinqua perspectiva juvenil...
Muitos anos mais tarde, subo a rua Augusta, sob uma leve brisa primaveril envolvendo o início da noite. Vislumbro lá no alto, mais acima do espigão da Paulista, o brilho sedoso da lua cheia, como a saudar uma jornada rica em adoráveis momentos, a aula animada e a energia contagiante dos alunos, pela manhã; a conversa doce com a mulher dos sonhos, à tarde; a leitura e o café, seguidos pelo caminhar imerso em suaves impressões, no começo da noite. Um senhor passa e me pede as horas, jovens que sorriem, avançando pelo cruzamento, outra lufada fresca de vento, uma sensação de pleno bem-estar...
O cinema, a poucos passos, indica algum evento especial, há um adensamento de pessoas que transborda pela calçada. Logo me aproximo e identifico Ricardo Darín, rodeado por três ou quatro fãs, fotos, sorrisos, tudo marcado por gestos generosos e pela completa informalidade, basta se aproximar para abordá-lo. Acompanho o movimento por uns instantes, a tempo de lembrar de suas belas atuações, impulsionadas pela força da narrativa cinematográfica argentina. Despontaram Nueve Reinas, uma aula de como contar uma boa história... o comovente El hijo de la novia, o apaixonante El secreto de tus ojos... Mas lembrei-me de maneira especial do sublime Kamchatka, tão pouco conhecido. Ali, Ricardo Darín teve, em minha opinião, sua mais destacada atuação.
Aproximei-me um pouco mais, estendi a mão, disse-lhe de minha admiração por seu trabalho, simples assim. Ele permaneceu com seu sorriso tão natural, agradecido por minhas palavras, Gracias, muy amable... muy amable...
Completei a jornada com um saboroso café, na cafeteria de costume. Lá, reencontrei os prestativos e carinhosos atendentes de todos os dias...
Nenhum comentário:
Postar um comentário