16 maio 2010

O espaço segregado


Em seu livrinho Comunidade, Bauman escreveu um capítulo entitulado O nível mais baixo, o gueto, analisando o processo de segregação urbana nas metrópoles, no nosso tempo líquido-moderno. Do sonho da comunidade ideal, daquilo que Tönnies denominava de o círculo aconchegante, permeado pelas relações fraternas que revelavam uma existência coletiva, Bauman nos mostra que mal concretizamos uma parcela ínfima desse desejo, qual seja, a comunidade do bairro seguro, onde prevalece o desejo de se estar protegido, mais nada.

Para ele, o cidadão global é aquele que tem pleno acesso aos benefícios da globalização, não busca um lugar para morar, mas um local de pouso, esse espaço momentâneo onde recompõe suas energias entre um movimento e outro, entre um negócio e outro, e naturalmente esse lugar deve oferecer o bem mais desejado nesse mundo individualizado e privatizado, a segurança.
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Surge assim o que ele denomina de gueto voluntário, onde o confinamento é uma escolha permitida àqueles que podem pagar. O luxo e a proteção dos muros trazem a sensação de que recuperaram o paraíso perdido, a tal comunidade imaginada e ansiosamente buscada. Mas se os muros isolam os iguais endinheirados em um reduto seguro, também é verdade que impedem a aproximação dos diferentes, esses feios, sujos e malvados, preservados do lado de fora, em meio à selva ameaçadora, e que se aglutinam no que Bauman denomina de guetos reais.

Sem voz, sem representatividade política ou econômica, se desdobram em meio à dolorosa luta pela sobrevivência, distantes do mundo sedutor das oportunidades, confinados em seus territórios que cumprem a função de uma prisão. Seu direito à cidadania nem sempre será reconhecida e os acessos nem sempre serão tolerados nos lugares em que o capitalismo tardio se apropriou para produzir riqueza, conhecimento e lazer.
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Flávio Villaça, ao analisar o espaço intra-urbano da cidade de São Paulo, demonstra que sua funcionalidade decorre de uma estruturação que denomina de quadrante sudoeste, o conjunto de bairros de alta renda, onde se concentram os equipamentos urbanos - escolas, emprego, lazer, saúde, transporte etc. Numa palavra, o domínio (pelas burguesias) das condições de deslocamento espacial do ser humano enquanto consumidor. O que se tem aqui é um processo de segregação que privilegia a acessibilidade (e as condições de vida) de uma pequena parcela da população em detrimento da grande maioria.

Essa segregação não se dá segundo o conceito de centro-periferia (de acordo com os círculos-concêntricos, ou seja, quanto mais distante do centro, mais pobreza e abandono...), já que podemos identificar enclaves de pobreza nas áreas de renda mais elevada e vice-versa. O aspecto essencial aqui é que a burguesia leva para junto de si (no que se refere ao tempo) os equipamentos de controle da sociedade (...) (estimulando) seu meio predominante de locomoção, o automóvel.
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Se em Bauman o gueto representa um confinamento (no caso do gueto voluntário, um confinamento em nome da segurança), para Villaça, o padrão de segregação das camadas de alta renda significa algo mais, um espaço de reprodução do poder e do capital. Em ambos os casos, predomina uma ideologia que torce o nariz para a diversidade. Do ponto de vista do grupo dominante, a mirada social se dará segundo suas presunções históricas ou culturais, e segundo sua intransigência política. Sem concessões.
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Temos constituída a brutalidade da paisagem urbana paulistana, que não cessa de se aprofundar, assustadora, disforme, estimulada pelos interesses do mercado imobiliário e pela indiferença de uma governança municipal no que concerne às distorções produzidas. Resta aos destituídos de seus direitos elementares de cidadania, aos não contemplados por saúde, educação, moradia, entretenimento, deslocamento urbano, prosseguirem em suas peregrinações cotidianas, o olhar desconfiado, a certeza disseminada na quebrada de que não sucumbirão submetidos a presunções ou intransigências de quem quer que seja.
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