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por Stanley Kubrick |
Alguém me perguntou nestes dias como se dá um processo de construção da narrativa. O que posso responder a respeito, a não ser atribuir todas as incertezas que acometem quem escreve. Ao menos no meu caso, nada se dá por definido, e muito menos delineado em um roteiro previamente redigido, talvez aí a dificuldade em desenvolver um romance em sua plena densidade. Muitos de meus contos foram redigidos ao sabor do momento, principalmente os iniciais, quando prevalecia o desenvolvimento da narrativa pela caneta. O formato digital ganhou espaço muito lentamente, e ao fim tornou-se uma opção mais prática não pela redação em si, como pela facilidade dos acertos e reescrituras em tempo real. As melhores histórias surgiram no bico de pena, como se diria antigamente, porque havia o tempo bondoso da escritura em sua fluência natural.
Meu primeiro romance, concluído em 2023 levou mais de vinte anos para ganhar o formato final. Não que eu me mantivesse o tempo todo escrevendo e reescrevendo, mas houve etapas bem definidas, em que chegava a um resultado e em seguida suspendia a escritura por anos, para me deter com outras atividades. Nesse meio tempo, sabia que o texto não estava concluído, e sequer havia chegado a uma concordância sobre como finalizá-lo. Ainda hoje faço pequenas correções, embora os episódios e a estrutura sejam definitivos. E o resultado só pôde ocorrer de modo relativamente satisfatório quando passei a realizar as correções à mão, e não mais no computador. Isso abriu caminho para que todas as modificações dos demais textos escritos ocorresse dessa forma, o livro impresso e com a caneta em punho.
Meus contos originais, escritos entre os anos 1990 e 2010 precisaram passar por fortes ajustes dessa forma. A temporalidade é outra, e a mesa de um Café é muito atraente para realizar as escrituras definitivas à mão. Sem pressa. Observando o movimento ao redor. Foi assim que consegui reorganizar e publicar 10 livros, nos diversos gêneros. E tenho satisfação em dizer que meu último romance, Morrer, Viver, foi todo redigido em um caderno, ao longo de três meses. Sua concepção foi desenvolvida en route, ao longo da escrita, registros que primeiramente marcavam um fato real (a internação de meu pai) e aos poucos passando para as hipóteses da ficção, quando o personagem segue com sua vida, já envelhecido. A memória que se funde com os acontecimentos do presente, e projeta um futuro.
Nada parece definitivo, nem sequer a certeza de que a escritura esteja concluída. Mas este me parece o grande dilema de quem escreve. Há referências de literaturas lidas, há caminhos que se abrem aqui e ali, há experiências pontuais que podem ganhar novas dimensões, tudo parece transbordar em incertitudes e revelações, e porque não acrescentar, em desejos. Em suma, não há a melhor escolha, mas sim aquela possível, anunciada no vínculo com o tema, que - e aqui há uma certeza - se projeta a partir do mundo ao redor, o físico e o subjetivo, coisas e pessoas, que ganham relevância e às quais amamos.