29 agosto 2025

Chalámov e outras rememorações


As narrativas de Chalámov


E aí estão mais uma vez as memórias de nossos atos, de nossas situações vividas, de nossos lamentos, de nossas não tantas, porém saudáveis alegrias. Cada qual as reporta à sua maneira, de Primo Levi, com que facilidade o homem se esquece de ser um homem, a Chalámov, lembre-se do principal: o campo é uma escola negativa para qualquer um (...) quanto a mim, decidi que dedicarei todo o resto da minha vida justamente a essa verdade. Claro que se trata aqui de recordações individuais que se tornam universais pela brutalidade humana, no trato com humanos. 

As histórias de Varlam Chalámov me seduzem em um aspecto simples, o espírito de sobrevivência onde é quase impossível sobreviver. E nos descreve como se dá o inverno, se há nevoeiro gelado, na rua faz quarenta graus abaixo de zero; se o ar da respiração sai com ruído, mas ainda não é difícil respirar, então, quarenta e cinco graus (...) abaixo de cinquenta e cinco graus o cuspe congela no ar". Boris Schnaidermann que faz o prefácio do livro, diz que o leitor deve ficar imerso em um grande cansaço espiritual, não basta a simples leitura. E é assim que ocorre, história após história, ao mesmo tempo que somos capturados pela narrativa de Chalámov, nos cansamos espiritualmente em deparar com tantas situações duras ao extremo para se contornar. 

Soljenitzin ao descrever Um dia na vida de Ivan Denissovitch, expõe o terrível de uma jornada em um dos gulags stalinistas, a amargura e o sofrimento que por sua vez, como nas obras anteriormente citadas, revelam a honestidade dos relatos, deixando o leitor de algum modo ciente pelas coisas reveladas e que tinham de ser ditas. 

Creio que assim ocorre com todas essas narrativas recordatórias, que aportam uma nova dimensão da intolerância humana, ultrapassa os muros desses campos e nos alcança tal qual uma lança no peito. Formas de tormentos humanos que graças à competência em se contar sobre a dor e a torpeza, esses escritores imprimem a ferro e fogo nas páginas de nossa civilização. 

Mas também se pode alimentar a memória considerando as passagens efêmeras que nos encantam. No conto Cartas, do meu recente livro Cenas que se diluem com o tempo, estão ali registrados, em sequência, a beleza das recordações alinhavadas nas cartas de um tal de Vincent ao irmão Theo; de um certo Severino Giovani a sua amada América Scarfó e de uma mulher anônima que reencontra, após décadas, o caderno contendo os poemas escritos a ela por seu amor. Lembranças passageiras que destaquei de outras lembranças apaixonantes e que designam, estas sim, o orgulho de nossa condição humana.



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