30 maio 2024

Diretrizes de quem manda (ou pensa mandar)


by Ernest Haas


Em nome da defesa intransigente de Israel em se defender (“Estaremos sempre ao lado de Israel contra ameaças à sua segurança”) o que seja necessário para a manutenção do status quo, o controle das ações econômicas, políticas e como bem vemos, jurídicas, será feito. Seguindo essa ordem natural do big stick, o governo Biden se insurge contra a decisão do Tribunal Penal Internacional em emitir mandados de prisão para líderes israelenses, como o premiê Benjamin Netanyahu ("Esse pedido de prisão é ultrajante"). O que não significa dizer que o o mandado de prisão emitido contra Putin seja questionado ou levantado. Dessa maneira, o massacre contra a população palestina segue seu curso, com toda a liberdade.

Chega-se a altura em que o povo argentino começa a passar fome. Os dados de fins de março (Indec) apontam que a pobreza alcançou 41,7% da população argentina e nada parece indicar que esse índice irá estacionar ou refluir. O dado mais grave, 12,3% das pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, ou seja, um quarto da população total do país. O neoliberalismo libertário, responsável pela escalada do alastramento do estado de indigência, da alta dos preços, do desemprego, do corte de verbas aos centros de acolhimento, à saúde e à educação pública, à cultura, age livremente, como postula suas diretrizes ideológicas, sem oposição do poder econômico, ou das nações industriais do hemisfério norte. Milei circula em mais um passeio turístico pelos Estados Unidos, e em discurso recente, o Estado não vai interferir no quadro de fome que grassa pelo país, em bom castelhano, "Ante la supuesta decisión de los ciudadanos de no ingerir alimentos y, por lo tanto, morir de hambre, los gobiernos no tienen que intervenir en el mercado", e mais adiante, "Algo van a hacer para no morirse". E assim, sua política de "dane-se o povo" segue sem percalços, ainda forte e sem obstáculos.

O capitalismo de catástrofe, tal como operou após a passagem do furacão Katrina, em New Orleans, não perde a oportunidade para alavancar seus negócios com as enchentes do Rio Grande do Sul. O debate sobre a tragédia climática, com 467 dos 491 municípios gaúchos afetados, é encaminhada de modo ágil pelos influencers para a realização de negócios. O esforço coletivo solidário tem como resposta o "nós por nós", e nessa correia de transmissão, novamente entre no debate a exclusão do poder público e a participação da iniciativa privada, ao sabor das normatizações de mercado, na reconstrução do Estado. As palavras de ordem são pela necessidade de "um novo Plano Marshall" e nesse sentido, as corporações apresentam suas reivindicações para participarem da reconstrução. Uma consultoria contratada para gerenciar essa restauração/renovação é a mesma que operou em New Orleans, removendo os negros dos bairros centrais para os novos empreendimentos, e como bem apontam os fatos, a discussão principal por aqui, ou seja, como evitar novas catástrofes por omissão ou má gestão, parece seguir os mesmos passos privatistas do pós-catástrofismo.


16 maio 2024

A São Paulo de Person

 

Minha dissertação sobre Person, publicada

Acaba de sair em versão digital, pelo excelente Selo PPGCOM UFMG, minha dissertação A São Paulo de Person, revista e atualizada. Sinto um especial orgulho por esta publicação, pois afora o fato de esperar exatos 25 anos para vir a lume, trata-se de meu primeiro trabalho de fôlego, acadêmico ou não, e que me qualificou como mestre em Comunicação e Semiótica pela minha adorada PUC de São Paulo.  

A história dessa pequena aventura já foi contada, mas gosto de me referir à coincidência dos acontecimentos. Já com um tema definido para a minha pesquisa, que seria uma leitura sobre o primeiro cinema de Roman Polanski, um belo dia desci de meu apartamento para assistir no então Espaço Banco Nacional o filme São Paulo Sociedade Anônima, de Luiz Sérgio Person. Conhecia apenas superficialmente tanto o diretor quanto sua obra, havia visto anos antes uma sequência em que Zeloni/Arturo proferia para Walmor Chagas/Carlos um discurso nacionalista, enquanto avançavam pela Via Anchieta, dentro de um Oldsmobile. 

Aquele trecho ficou registrado de tal modo que, ao assistir o filme, a sequência na tela grande me convenceu a mudar o objeto de pesquisa, e de Polanski e a Polônia, passei a investigar Person e São Paulo. Nada mais natural para um pesquisador com bolsa brasileira! O trabalho me consumiu três anos e ao final, em abril de 1999, sob a orientação de Lúcia Nagib, com banca de Irene Machado e Fernão Ramos, fiz minha defesa pública. Já na época sabia que o trabalho não tinha alcançado o desenvolvimento que pretendia, considerando todo o material teórico e oral que havia recolhido, mas ainda assim sabia que tinha elaborado um trabalho original e precursor sobre o diretor paulista.

A necessidade de reorganizar o texto e dar mais qualidade às referências bibliográficas manteve-se calada durante anos e ressurgiu há dois ou três anos atrás, com a oferta da editora mineira. Optei por dar prioridade ao meu texto de doutorado, As redes de escrituras nas periferias de São Paulo, publicado em princípios de 2022, para então me debruçar no mestrado, que me parecia um desafio. O texto mostrava-se pouco desenvolvido em diversas passagens, fosse na análise teórico-metodológica, como no aspeto histórico. Pior, não alcançava a paixão poética que sempre desejei e que o tema continha em si. Em suma, a montagem do texto final apresentava uma estrutura que precisava ser revista. Como se não bastasse, uma interessante entrevista que fiz com a Marina, filha de Person, estava de fora.

As observações dos pareceristas convidados pela editora me apontaram objetivamente os problemas, o que contribuiu para a correção de muitos (não todos) deles, fazendo com que o trabalho final, do ponto de vista formal e de conteúdo, melhorasse substancialmente. Tive a felicidade de poder contar com um belíssimo prefácio de Irene Machado, e, juntamente com uma caprichada edição, dar por encerrada com chave de ouro essa longeva produção, o que muito me orgulha.

Fica o convite para o acesso livre e gratuito do livro:

https://seloppgcomufmg.com.br/publicacao/a-sao-paulo-de-person/

  


09 maio 2024

Gaza (poema)



 

Gaza

 

no hay mayor desolación

el sol demarca lo que se superpone

en la superficie machacada

sin calles

sin viviendas

 

no hay donde moverse

los huesos están rotos

la carne ya no es la misma y

bajo sudor intenso

palidece...

 

el hambre que no se quita

y las bombas...

la metralla que no se rinde

y el zumbido de los drones...

nada más que los escombros...

 

las imágenes interminables

ruidos y sombras

sin redención

sin autorización

y el tiempo que pasa

 

pronto serán las manos

manos benditas

arrastrando el cuerpo sobre sus rodillas

a algún refugio - ¿donde?

cualquiera, hay desolación en todas partes

 

Y luego vendrá el fracaso de los ojos:

será noche en los cielos, fugaz

será noche en la visión, eterna.