Diego Rivera, A noite dos pobres |
Antes que me
esqueça dos pequenos gestos, escrevo. No convívio com meu tio Hoffman, por estes dias, a
expressão de um homem firme e desgastado pelo tempo. Foram dois dias no
hospital, somente eu e ele. Noites que passaram silenciosas, que escorreram
como córregos condenados. Sua mão segurava a minha com força, nas limpezas e
trocas de lençóis. O olhar sereno não se despregava de uma hipotética visão
débil, que lhe sorria com compaixão. Quando permanecemos a sós, continuei
segurando sua mão, dizendo-lhe que contaria histórias. Ele aprovou, e ao longo
da narrativa, o mesmo olhar incerto, um delicado sorriso por talvez
reconhecer-se como protagonista da narrativa. E depois, o mergulho no mesmo
sono das horas indefinidas.
Já em casa, em
uma das noites, outra vez as mãos que se agarram, sinto a textura forte da pele
e da carne de seus dedos, de sua palma, é uma mão que não difere de outras
tantas. Pergunto se está tudo bem, ele me responde com clareza, ‘maravilhoso’.
Permaneço um pouco mais, seus olhos na penumbra, tão atentos quando nas
ocasiões em que se põe alerta. Digo-lhe que contarei mais histórias e pergunto
se gostaria de ouvir, ‘é’... a resposta que assente de modo positivo, mais
simples de dizer do que ‘sim, quero continuar a ouvir’... Ficamos conectados
mais um tempo pelas mãos, retorna o balbucio de palavras indecifráveis, e logo
pronuncia um ‘eu te amo’ límpido e fulminante. Precisei aguardar toda uma vida
para testemunhar tamanha emoção.
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Segue o massacre
em Gaza, agora o objetivo final da destruição, Rafah, mais um nome palestino a
ser riscado do mapa, A autorização por parte da comunidade internacional para
essa violência inaudita me estranha: em nenhuma circunstância se verificou o
direito continuado por um grupo eliminar outro de maneira tão aberta,
excessivamente acintosa! Os foguetes caem dos céus e explodem quarteirões. Os hospitais
são invadidos e pacientes sofrem com as consequências. O deslocamento contínuo
traz o rastro da fome, a incerteza no futuro, o perigo de existir. A faixa de
Gaza tornou-se no inferno terrestre. Como se não bastasse, os drones que
flutuam sobre as cabeças emitem um ruído contínuo, uniforme, sem fim, enlouquecendo
as pessoas. Não há escolas, não há trabalho, não há vida comunitária, tudo se
transforma em um contínuo fluxo migratório, sem destino, cujo limite final
parece ser Rafah, onde um milhão e meio de pessoas estarão concentradas,
esperando pela condenação final.
Não me parece
oportuno ficar comparando o que foi a maldição do holocausto com o genocídio
que acompanhamos ao vivo e em cores sinistras. Por mais que sejam horrores historicamente
distintos, e são, o que interessa aqui é condenar um e outro, com a mesma
repulsa de humanidade que nos resta. Se não é justo comparar os dois
acontecimentos, nada justifica a continuidade do massacre em Gaza, sob qualquer
pretexto. Se é exagero colocá-lo no mesmo patamar do flagelo judeu, é
igualmente inadmissível que se mate aos borbotões, sem distinção entre inimigo
armado e população civil, a homens, mulheres e crianças. Os números se
aproximam a 30.000 mortos, e sabe-se lá quantos feridos e desalojados. Uma
região toda foi pelos ares, e uma vez mais fico a meditar, seria preciso
implodir a comunidade da Maré, para destruir o Comando Vermelho? Afirmar
positivamente não passa de uma retórica para a validação da limpeza social.
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