03 maio 2023

A harmonia dos afetos



 

Ernesto chegou na quinta, está com meus pais, devo reencontrá-lo nesta semana que se inicia. Amanhã, feriado, fico com Juliette. Estava pensando hoje nas circunstâncias da vida, de como eu e meus irmãos chegamos até aqui, juntamente com meus pais. Passamos invictos por muitos obstáculos, uns mais sérios que outros, nos dispersamos, nos reencontramos, e damos continuidade à vivência amorosa, mesmo que dessa maneira serena. Gosto de saber que me irmão está próximo, me faz imaginar que cada minuto é um tempo maior, expandido, que abarca muitos significados, muitas lembranças. Assim também é quando estou com meus pais, no silêncio daquela casa enorme, onde cada palavra, cada frase assume um sentido novo, profundo, ainda que os mesmos assuntos. 

É possível que isso signifique que cada novo encontro represente exatamente isso, um novo encontro, bafejado por amor, resignação e, claro, uma alegria de fundo, ora contida, ora incontida. Me emocionei quase às lágrimas hoje, quando pensei que com a morte de meu pai irei de imediato ver meu irmão, que não perderei tempo, que desejarei um abraço caloroso, aprazível, prolongado, e depois, ficar ao lado, sentado observando a paisagem aconchegante, a praia, o som das águas, a quietude do lugar e a torrente de histórias que brotará desses quase sessenta anos de convívio. 

Meus pais tinham dúvidas se meu irmão teria uma vida longeva. Lembro-me, na tenra infância, eu não tinha mais de seis ou sete anos, eles abraçados um ao outro, na cozinha da velha casa, e minha mãe às lágrimas dizendo que esperava que meu irmão conseguisse chegar aos sessenta e cinco anos! Por que essa idade? E por que isso permaneceu tão fresco em minhas memórias? Meu irmão talvez seja o mais saudável de todos nós, e seu movimento de nos reencontrar todas as vezes que vem do outro lado do mundo me toca de modo sensível, é como se transbordassem sentimentos a serem manifestados em sua presença, sem que eu os identifique plenamente. Uma avalancha de coisas boas. Um conjunto de conjecturas que perpassam a vida e a morte, sem qualquer ansiedade. Apenas o fato de ter sua presença e poder senti-la das mais variadas maneiras.   




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