29 novembro 2022

Uma poesia - García Montero

 

Luis García Montero e Almudena Grandes


CONFESIONES


Yo te estaba esperando.

Más allá del invierno, en el cincuenta y ocho,
de la letra sin pulso y el verano
de mi primera carta,
por los pasillos lentos y el examen,
a través de los libros, de las tardes de fútbol,
de la flor que no quiso convertirse en almohada,
más allá del muchacho obligado a la luna,
por debajo de todo lo que amé,
yo te estaba esperando.

Yo te estoy esperando.

Por detrás de las noches y las calles,
de las hojas pisadas
y de las obras públicas
y de los comentarios de la gente,
por encima de todo lo que soy,
de algunos restaurantes a los que ya no vamos,
con más prisa que el tiempo que me huye,
más cerca de la luz y de la tierra,
yo te estoy esperando.

Y seguiré esperando.

Como los amarillos del otoño,
todavía palabra de amor ante el silencio,
cuando la piel se apague,
cuando el amor se abrace con la muerte
y se pongan mas serias nuestras fotografías,
sobre el acantilado del recuerdo,
después que mi memoria se convierta en arena,
por detrás de la última mentira,
yo seguiré esperando.

oo

(por Luis García Montero)



19 novembro 2022

As benesses de um tempo bondoso


Moniquinha e o mar

O mar fazia de suas ondas um ir e vir contínuo, que se esparramava pela areia ao longo da praia, enquanto deambulávamos felizes, conversando sobre política brasileira, os novos tempos vindouros, novos horizontes de esperança. Olhávamos para a beleza do encontro ao longe, entre o mar revolto e o céu encoberto marcado por intermitências azuis, e confirmávamos silenciosamente os encantos da curvatura da Terra, agora uma vez mais soberana, sepultando o rumor dos desalmados. O areal quase deserto, aqui e ali os pais com suas crianças brincando expansivas. Observávamos as ilhotas pelo caminho, erguendo-se frondosas, impassíveis, pontilhando a paisagem em meio a seus mistérios rochosos. Do lado oposto, a imponência da mata atlântica adensada, sublime, sobre o relevo montanhoso. Acompanhávamos as embarcações ao longe, deleitados no prazer do momento. Tínhamos as mãos dadas, como um apoio seguro para todas as calmarias e tormentas futuras. O vento não cansava de nos acariciar as faces, em sintonia com a temperatura amena que dispensava mais cuidados com a pele, bastavam nossos bonés, o dela com o tom azulado e a palavra Montevideo, o meu vermelho com o símbolo do MST, era tempo de exibirmos o que fosse, com liberdade e confiança. A água do mar nos alcançava e girava em torno dos nossos pés, que afundavam na areia fofa, e ali permanecíamos fincados, abraçados. E sorríamos. Nem pensar para onde ir e quando regressar. E imaginávamos. Recuperar o tempo perdido, e reverberar solenemente. Respirávamos a plenos pulmões o ar da democracia restabelecida, naquele rincão cinzento, inquieto, em sintonia com os pensamentos. Cada passo nos enveredava para as brechas de um futuro imerso em grandes desafios, não havia coisa mais adorável do que acreditar em um mundo melhor, nas andanças à beira-mar.




10 novembro 2022

Um dia após outro


O presidente eleito Lula


A vitória de Lula se consolida aos poucos, irradiando do campo da esquerda, passando pelo centro e alcançando parcelas renitentes da direita, que de algum modo silenciam sem tolerá-lo. Me parece natural que seja assim, primeiro não se constitui unanimidade nas democracias, e depois, as manifestações legítimas que ultrapassem seus limites terão a pena da lei para demovê-las. Assim é. Lula não tem ilusão de que encontrará resistência ao seu governo, mas está determinado – como fez nos dois governos seus anteriores – que terá de governar para todos, com ênfase para as classes menos favorecidas. Ontem foi recebido pelas instituições brasileiras que foram escorraçadas pelo ex-capitão que ocupou a cadeira da presidência, o STF, a Câmara e o Senado, nestas duas últimas, recebido pelos respectivos presidentes. Sem rancor, sem mágoa, promovendo o que parecia uma ficção neste país, o diálogo franco. As imagens são belas, a mesa em que se reuniram os ministros do supremo ao seu lado, os registros fotográficos junto a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, para terminar com a entrevista do lado de fora da Câmara e do Senado, sob o lindo pôr do dia em Brasília.

A despeito dos alucinados bloqueios que ainda pipocam aqui e ali pelo país, reunindo um punhado de radicais embandeirados, a cada dia respira-se mais tranquilidade, mais confiança, mais democracia. Sucumbem na escuridão das noites a violência, a intolerância, a mentira, para ressurgir com mais força, na aurora de cada manhã, a serenidade, a solidariedade, a verdade dos fatos. Desaparece como o hálito ao vento as ameaças tresloucadas, imponderáveis. Tenho de acreditar que a sintonia acolhedora que perpassa os meios de comunicação hegemônicos, sem mais aquele tom agressivo dos editoriais ameaçadores; no cumprimento preciso da letra da constituição, sem firulas ou subterfúgios interpretativos, pelas instituições republicanas; na capacidade produtiva e evolutiva dos empresários de boa-fé, preocupados com os desígnios do país; na disposição inesgotável da grande massa de trabalhadores, sempre disposta aos mais desafiadores esforços, e para quem esse governo voltará seus olhos com redobrada atenção. 

Resta acreditar e lutar por esta perspectiva sincera, que se esboça no presente construa os caminhos para o futuro, sob uma saudável catarse positiva, cujo alinhamento nos permita retomar os valores de uma nação, e nos catapulte de volta ao estágio do bem-estar social que, um dia, lá atrás, desfrutávamos com alguma sabedoria e muito gosto.

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Ontem, a morte de Gal Costa e de Rolando Boldrin. Gal desaparece antes da hora, meros 77 anos e muita energia para nos contagiar. Ela, como Gil, Caetano, Bethânia, Chico, Milton, fez parte da minha vida, ou seja, nunca imaginei minha existência sem a presença de cada um deles, pela força de suas canções, pela beleza de seus movimentos. Boldrin tinha 86 anos, muita sabedoria para declamar em seus programas sobre o sertanejo brasileiro, essa cultura menosprezada, que se arraiga por todo o interior do Brasil, combinando características comuns entre povos do Nordeste, do Centro-Sul e da Amazônia. Uma jornada que combinou tristeza e esperança.