Apreensões que se mesclam com a inquietude do jazz |
A ausência forçada
das salas de aula nos últimos dois anos me propiciou, quase como uma tarefa
compulsória, retomar meus escritos e aprofundar minhas leituras literárias.
Escrever para mim sempre foi um ato de libertação e de comprometimento, em um primeiro
momento dentro de um ponto de vista pessoal, e com o passar dos anos, em uma amplitude social. Essa proposta de engagement sartreano me
lançou para um embate sobretudo contra o conformismo burguês, que em nossa
realidade desigual e segregada, é condição para a permanência da miserabilidade
em que vivemos.
Os contos do meu primeiro livro, A Paixão Inútil,
escrito ao longo de quinze anos e lançado precariamente em 1997, apontava para
as mazelas de uma classe média acomodada nos vícios burocráticos e assim,
incapaz de uma escolha autêntica. A paralisia em torno dos efêmeros objetivos de vida. Os personagens, isolados em suas angústias
frívolas, não escapam para uma vida efetivamente responsável, que ofereça um verdadeiro propósito de liberdade.
Com O fragor silencioso de cada dia, dou sequência cronológica a minha escritura, apresentando relatos mais curtos, abrangendo circunstâncias muito diversas do cotidiano, talvez esse incômodo renovado, que se esgarça em suas nuanças ao revelar situações que conformam o sentido de nossa existência. Não há aqui qualquer intenção moral, os 57 textos são 57 momentos os mais diversos de averiguações que pactuam com a inquietude do jazz, e não por acaso, divididos em partes que se referem ao álbum Meditations, de John Coltrane, Compaixão, Consequências, Serenidade.
Meditações que, antes de uma aceitação metafísica, com o que certamente nem Coltrane estaria de acordo, formula algumas das tensões dialéticas que nos inquietam, e pelas múltiplas facetas de cada narrativa, propõe sondar os abismos profundos, como também apreciar as auroras tranquilas de nossa condição humana.
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