Dresden, 2002 |
Es
tan difícil decir lo que passa que uno prefiere callarse delante la catástrofe.
Se
não fosse o isolamento social que de algum modo prevalece, em razão dessa
pandemia horrorosa, que já cobrou oficialmente mais de 100 mil mortes, afetando
de maneira devastadora tantas famílias pelo país e todas as classes sociais, e
de maneira muito especial as mais precárias, diria que os dias correm dentro de
uma estranha tranquilidade. Do lado de fora vejo um movimento crescente no
comércio e na circulação de pessoas, ainda que dentro de um período marcado,
entre o meio da manhã e o meio da tarde. Os bancos, os cafés, os centros
comerciais, os restaurantes, cumprem horários mais restritos, de tal forma que
as noites correm mais silenciosas e esvaziadas.
Se
fosse pelo ímpeto do capital, a retomada do ‘normal’ já teria acontecido há
muito. Trabalham fortemente contra essa decisão os meios de comunicação e um
cuidado difuso que atravessa as pessoas, que defino como impulso de
sobrevivência. Não fosse isso e estaríamos em meio à perdição total, guiada
pelos interesses do mercado. Por mais possível, por mais terraplanista que o
sujeito seja, ignorar a gravidade do momento, não apenas pelos números, mas
pela curva de contágio que insiste em permanecer alta. Já são quase três
milhões e trezentos mil casos confirmados de contágio em cinco meses, e se nada
mudar, antes do final do ano chegaremos no Brasil a 200 mil mortes. Tenho visto
casos fatais avançarem ao redor, afligindo grupos de amigos, em maior parte as
pessoas mais velhas. Mortes que sucedem quase que à maneira clandestina, em que
não é possível uma despedida dos amigos ou da família, onde o ritual do
sepultamento é suprimido ao mínimo.
Em
paralelo, amplia-se o número de desempregos, o sucateamento das políticas
públicas, principalmente em relação à saúde e educação, a destruição e ocupação
da Amazônia e a consequente intolerância contra grupos indígenas. A propósito,
o espírito da intolerância prevalece como espírito desse desgoverno, que se
espraia de modo descontrolado por nossa sociedade. O impulso inicial de
destruição anunciado pelo capitão genocida, logo no início de seu desgoverno,
se verifica com impressionante rigor metodológico. Sua aventura bárbara,
instrumentalizada por um ministro da economia de linhagem neoliberal, promete
entregar ao final de seu mandato uma terra arrasada, pronta para ser explorada
pelas corporações. De nação para um território controlado por estamentos
conectados e ordenados segundo os interesses do capital financeiro.
Ontem
ouvi de passagem, porque não tive paciência para desejar compreender o que de
fato ocorreu, sobre uma nova pesquisa de opinião do Datafolha, que indica um
discreto aumento da popularidade desse capitão genocida. Esse aumento teria
ocorrido nos setores menos favorecidos da sociedade, animados pelo auxílio
emergencial de 600 reais. A miséria torna-se tamanha, que qualquer ajuda com
cara boa é vista como uma iniciativa significativa, de tal modo que o
desgoverno que arranca todos os direitos trabalhistas e previdenciários
torna-se um governo decente. Lamentavelmente pouco se fez e pouco se fará no
que diz respeito à cultura política de nosso país, controlada nas bases por
grupos evangélicos, pelo conservadorismo atávico e pelo medo. O apelo à
sensatez via meios tradicionais (universidades, sindicatos, partidos políticos,
mídias) sucumbe às novas formas de ação política e interação social, como bem
nos demonstrou o monstruoso Steve Bannon.
De
modo que se não tomo os devidos cuidados, este diário torna-se um conjunto de
ideias mal alinhavadas em torno dos mesmos temas. Em uma palavra, o pensamento
civilizatório está em xeque. As eleições de novembro, aqui e nos EUA podem
minimizar o quadro dramático da ignomínia instalada. Já não se ouve mais o
argumento, mas o des-argumento, e aqui, quem nos “ensina” é o famigerado Olavo
de Carvalho. Junto com o estratagema de Bannon, o des-pensamento olavista
encontra espaço para garantir e firmar a conquista, algo como os Einsatzgruppen
fizeram na Rússia, ao longo da invasão alemã. Gente miserável que, a partir da
proliferação de falsos ideais, ocupa os espaços e estabelece o horror.
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