15 agosto 2020

Papéis avulsos


Dresden, 2002


Es tan difícil decir lo que passa que uno prefiere callarse delante la catástrofe.

Se não fosse o isolamento social que de algum modo prevalece, em razão dessa pandemia horrorosa, que já cobrou oficialmente mais de 100 mil mortes, afetando de maneira devastadora tantas famílias pelo país e todas as classes sociais, e de maneira muito especial as mais precárias, diria que os dias correm dentro de uma estranha tranquilidade. Do lado de fora vejo um movimento crescente no comércio e na circulação de pessoas, ainda que dentro de um período marcado, entre o meio da manhã e o meio da tarde. Os bancos, os cafés, os centros comerciais, os restaurantes, cumprem horários mais restritos, de tal forma que as noites correm mais silenciosas e esvaziadas.

Se fosse pelo ímpeto do capital, a retomada do ‘normal’ já teria acontecido há muito. Trabalham fortemente contra essa decisão os meios de comunicação e um cuidado difuso que atravessa as pessoas, que defino como impulso de sobrevivência. Não fosse isso e estaríamos em meio à perdição total, guiada pelos interesses do mercado. Por mais possível, por mais terraplanista que o sujeito seja, ignorar a gravidade do momento, não apenas pelos números, mas pela curva de contágio que insiste em permanecer alta. Já são quase três milhões e trezentos mil casos confirmados de contágio em cinco meses, e se nada mudar, antes do final do ano chegaremos no Brasil a 200 mil mortes. Tenho visto casos fatais avançarem ao redor, afligindo grupos de amigos, em maior parte as pessoas mais velhas. Mortes que sucedem quase que à maneira clandestina, em que não é possível uma despedida dos amigos ou da família, onde o ritual do sepultamento é suprimido ao mínimo.

Em paralelo, amplia-se o número de desempregos, o sucateamento das políticas públicas, principalmente em relação à saúde e educação, a destruição e ocupação da Amazônia e a consequente intolerância contra grupos indígenas. A propósito, o espírito da intolerância prevalece como espírito desse desgoverno, que se espraia de modo descontrolado por nossa sociedade. O impulso inicial de destruição anunciado pelo capitão genocida, logo no início de seu desgoverno, se verifica com impressionante rigor metodológico. Sua aventura bárbara, instrumentalizada por um ministro da economia de linhagem neoliberal, promete entregar ao final de seu mandato uma terra arrasada, pronta para ser explorada pelas corporações. De nação para um território controlado por estamentos conectados e ordenados segundo os interesses do capital financeiro.

Ontem ouvi de passagem, porque não tive paciência para desejar compreender o que de fato ocorreu, sobre uma nova pesquisa de opinião do Datafolha, que indica um discreto aumento da popularidade desse capitão genocida. Esse aumento teria ocorrido nos setores menos favorecidos da sociedade, animados pelo auxílio emergencial de 600 reais. A miséria torna-se tamanha, que qualquer ajuda com cara boa é vista como uma iniciativa significativa, de tal modo que o desgoverno que arranca todos os direitos trabalhistas e previdenciários torna-se um governo decente. Lamentavelmente pouco se fez e pouco se fará no que diz respeito à cultura política de nosso país, controlada nas bases por grupos evangélicos, pelo conservadorismo atávico e pelo medo. O apelo à sensatez via meios tradicionais (universidades, sindicatos, partidos políticos, mídias) sucumbe às novas formas de ação política e interação social, como bem nos demonstrou o monstruoso Steve Bannon.

De modo que se não tomo os devidos cuidados, este diário torna-se um conjunto de ideias mal alinhavadas em torno dos mesmos temas. Em uma palavra, o pensamento civilizatório está em xeque. As eleições de novembro, aqui e nos EUA podem minimizar o quadro dramático da ignomínia instalada. Já não se ouve mais o argumento, mas o des-argumento, e aqui, quem nos “ensina” é o famigerado Olavo de Carvalho. Junto com o estratagema de Bannon, o des-pensamento olavista encontra espaço para garantir e firmar a conquista, algo como os Einsatzgruppen fizeram na Rússia, ao longo da invasão alemã. Gente miserável que, a partir da proliferação de falsos ideais, ocupa os espaços e estabelece o horror.



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