27 novembro 2019

Concorrência generalizada


Monumento ponte Laguno - Caracas, 2009


Não estamos em tempo de silêncio, embora parcelas do poder instituído entendam que sim e pressionem para que assim seja, submetendo populações à violência da economia e dos aparatos de segurança. Não é tempo para silenciar, repito. As hostes mais retrógradas propõem as amarras da ignorância e o ato brusco da intolerância, submetendo-nos a todos a um modelo que nos conduz à miserabilidade tão duramente superada nos últimos 15 anos. 

Retoma-se a possibilidade de um novo AI-5, cruel, insidioso como o original, para silenciar, para condenar, para eliminar a democracia. Mal retomamos uma geração de normalidade constitucional para uns delinquentes políticos, amparados pelo sistema financeiro, ameaçarem de morte as delicadas conquistas da cidadania. A naturalização da ideia desse ato, já em plena marcha, confunde em vez de explicar, banalizando o que deveria ser definitivamente rechaçado.

Estamos à deriva, como que reféns em um grande navio negreiro, onde todos pagarão com trabalho e péssimas condições de vida, para que os donos do negócio possam lucrar. Somos instigados a almejar a migalha do outro, em um processo denominado de competição, onde as regras são retiradas a cada momento para valorizar o empenho de cada um. O mundo neoliberal torna-se um grande octógono de UFC, onde a vitória sangrenta não passa de conquista efêmera, ameaçada no combate seguinte. 

Lei da selva, onde se sobrevive o mais capaz, e a isso se dá o nome de meritocracia. Silenciados e sob a paz de Cristo, avançamos como os trabalhadores do filme Metrópolis, para viver e sucumbir nos imensos porões das empresas. O silêncio também como parte da nova ordem normativa, que junto com a neo-escravização do trabalhador, expolia e assassina sem que haja repercussão. O silêncio dos organismos internacionais, da mídia corporativa, dos governos democráticos, que sempre atuaram contra a violência social e que insistem em nada ver. Os três macaquinhos, não veem, não ouvem, não falam.

Não é tempo de calar e as manifestações no Chile, na Bolívia, na Colômbia são conduzidas pelas massas que os donos do negócio quiseram transformar em reféns à deriva. O capitalismo de reféns, que difunde a violência, o medo, o ódio pelas mãos de deus e do diabo aprendeu suas técnicas na compreensão dos efeitos simbólicos de atos realizados por tiranias e por fundamentalistas. O incidente de Gleiwitz, realizado sob bandeira falsa, deu aos nazistas a oportunidade de atacar a Polônia sem qualquer constrangimento. A explosão da violência tirânica para subjugar uma nação foi a técnica aperfeiçoada pelo capitalismo para ser empregada com cinismo e dissimulação. 

Mas também não deixo de relacionar a sordidez dos planos de destruição para a expansão de uma nova ordem, e nesse caso não deixo de relacionar a brutalidade - muito bem assimilada pelos donos do poder - da ação fundamentalista dos talibãs ao destruir os budas de Bamiyam. A serviço dos pequenos tiranos espalhados pelo mundo, deve-se implantar a ferro e fogo o novo capitalismo de que Dardot e Laval comentam, profundamente ligado à construção política de uma finança global regida pelo princípio da concorrência generalizada. E como profetizam os neopentecostais, para essa obra "deus é fiel".



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