31 maio 2019

Nada mais que o confronto



Com esse governo instituído e ainda não constituído, não resta para as forças populares senão o embate político sem quartel. Isso porque o ex-capitão e sua turma ministerial incorporou um posicionamento ideológico claro de demolição das instituições brasileiras, o sucateamento de nossa cultura e educação, terra arrasada para daí edificar algum monstrengo abjeto que nos faça penar em um cotidiano infernal. 

Ontem as manifestações do 30M ao que tenho notícia foram bem-sucedidas, com milhares de estudantes e de movimentos organizados nas principais cidades brasileiras, em especial Rio, São Paulo e BH e muitas outras em que existe universidades federais. O plano metódico de destruição simbolicamente ao meu ver se equipara com o que os nazistas fizeram com a estrutura urbana em Varsóvia. Como são seres sem profundidade espiritual e política, agem por impulso e certamente amparados por uma força invisível poderosa, que os orienta na confusão.

O capital financeiro? Os think tanks ultra-liberais, amparados por mucha plata dos seus mecenas bilionários? O departamento de justiça de tio Sam, as milícias cariocas, os grandes empresários ainda hipnotizados por uma política econômica vaga que os privilegia? Ou tudo isso junto e mais outras parcelas desprezíveis da sociedade civil brasileira, como políticos ligados ao agronegócio, à bíblia, à política insossa de confronto como os dos MBLs da vida? O que alimenta tanta inconsequência e bestialidade? O que orienta tanto despautério? 

Um parágrafo de questionamentos que solicita respostas objetivas e explícitas dessa gente sem projetos, que uma vez no poder, caminha ao sabor de atitudes irresponsáveis e apenas aprofunda o abismo entre as distinções sociais, entre grupos étnicos e religiosos. Certamente não iremos longe nessa vereda tosca de cortes educacionais e reformas previdenciárias que precarizam a vida dos mais pobres. E insistem em não dialogar, em não propor mesas de debate, em eliminar pontes. Sentem-se fortes por esse poderoso apoio invisível, e não obstante cavam fundo sua sepultura na indignação social.

Não podemos esperar de braços cruzados. Não nos resta nada mais do que o confronto, a única linguagem que esses trogloditas de gabinete podem compreender.


23 maio 2019

Caminhos sartreanos da liberdade


O lançamento marcado para a semana que vem tem um gosto muito especial, pois reapresenta um livro que me acompanha faz mais de vinte anos. Quando publicado aos trancos e barrancos em março de 1997, conseguiu um sobrevoo interessante, sendo resenhado pelo Caderno Mais!, uma referência no mundo das letras na época. Foi um tempo de muita influência da fenomenologia existencialista, que acabou permeando o conteúdo dos contos.

Mas o livro possuía falhas, foi apressadamente organizado e lançado, sabia que precisava retomá-lo. Em 2006 a oportunidade surgiu quando o submeti ao cobiçado prêmio Cidade de Belo Horizonte. Ele ganhou em sua categoria, mas não levou, pois a comissão declarou a obra não inédita. Eu tinha mantido o título, modificando seu conteúdo e incorporando 7 contos aos 12 originais, mas não foi suficiente.

O livro continuou me acompanhando, precisava dar-lhe um substrato definitivo, consolidando-o como minha obra primeva. Ela haveria de encontrar a luz do fim desse túnel de indefinições e aconteceu no começo deste ano, com o Eduardo Lacerda da editora Patuá. Tudo foi surpreendente, da entrega dos originais, sua leitura e aprovação, a organização de capa e miolo, minha revisão e a edição, pouco mais de cinco meses. Trabalho competente, bonito, bem-acabado. 

Agora sim, posso me lançar à finalização dos outros textos que estão na fila. Encontro, por fim, a oportunidade de encaminhar minha produção literária, com A Paixão Inútil puxando a fila. O momento político me abre a brecha para pensar e encontrar os amigos falando de novos temas, como a literatura. Dia primeiro de junho encontrarei muitas pessoas com essa disposição.

Abaixo, a apresentação que escrevi para o livro.

A primeira versão de A Paixão Inútil, publicada em março de 1997, reunia doze contos sem títulos. Aproximadamente três meses depois do lançamento, a obra mereceu simpática resenha do jornalista e escritor Bernardo Ajzenberg, no Caderno Mais da Folha de São Paulo, intitulada Sob o véu da melancolia. Ao final vinculava o estilo a “uma linhagem de espécie existencialista” em razão das narrativas abordarem aspectos clássicos do existencialismo como a angústia, a má-fé, a liberdade.

A meu ver temos um elemento crucial que percorre a coletânea, a ação sem um fim projetado que conduz inevitavelmente ao conservadorismo, ao quietismo e consequentemente a uma postura retrógrada. Os personagens giram em torno de suas escolhas protelatórias, a um passo da metafísica falaciosa do dia-a-dia que impede o homem de refletir por si mesmo em completa liberdade.

Das dezessete histórias que compõem esta edição, a maioria foi pensada e escrita no contexto dos anos 1980 e 1990. Duas são mais recentes, Um rosto na multidão (2003) e O senhor Virgílio (2018), incluídas em razão de sua proximidade temática com o conjunto original de textos. Quanto às histórias antigas, realizei modificações necessárias na evolução das tramas sem alterar a estrutura narrativa, além de restabelecer os títulos originais dos contos.



16 maio 2019

Dia nacional em defesa da Educação


Finalmente uma resposta ampla, consistente e incisiva aos devaneios desse desgoverno, desconduzido pelo capitão da reserva e pelo astrólogo da Virgínia. Um ato que tomou dezenas de cidades brasileiras e que aqui na Paulista, tingiu-se de um colorido muito especial, com sabor dos ensinamentos de Paulo Freire. 

Ainda que a maravilhosa manifestação não consiga reverter os cortes absurdos impostos às universidades federais, alguma coisa forte e decisiva aconteceu ontem, uma ruptura com a morosidade que colocou o desgoverno em franca defensiva, um atrevimento que anuncia às nossas instituições sonambúlicas o desejo de novos enfrentamentos em nome do Estado democrático de direito.

Abaixo mais cenas animadas por nossos jovens estudantes.





   



09 maio 2019

Allende: socialismo con olor a empanadas y vino tinto




Retorno ao tema Allende e Unidade Popular ao apresentar no III Simpósio de Comunicação e História Oral da USCS o tema "El Socialismo con olor a empanadas y vino tinto: memórias radiofônicas da derrubada de Salvador Allende", juntamente com minha companheira de escrita e de coração Mônica Nunes. E sempre que abordo esse complexo assunto, encontro novos caminhos para a pesquisa, agregando novas fontes para consultas.

Desta vez, tomamos como referência o sítio Sintoniza con la Memoria, organizado pelo Museo de La Memoria y los Derechos Humanos de Chile, onde se disponibiliza publicamente a cronologia do brutal 13 de setembro de 1973, por ocasião do golpe de Estado cívico-militar conduzido por Pinochet. A dramaticidade dos fatos é descrita a partir dos relatos radiofônicos contendo as locuções de Allende, pelo comando militar, pelos repórteres que cobriam o desenrolar dos acontecimentos nas cercanias do palácio de La Moneda, intermeados por músicas marciais.

Nossa fala se constituiu em três partes: uma apresentação do contexto histórico do período da Unidade Popular, conjunto de partidos de esquerda que lançaram Salvador Allende como candidato à presidência do Chile, em setembro de 1970. Sua vitória foi marcada, desde o princípio, pela movimentação golpista, interna e externa (Departamento de Estado e CIA), que procura interditar sua posse. Como pediu Nixon ao diretor da CIA Richard Helms em 15 de setembro de 1970, "gaste pesado, trabalhe a tempo integral, faça chiar de dor a economia chilena".

Em seguida um breve registro dos áudios de Allende, do ultimato militar, da cobertura dos bombardeios aéreos contra La Moneda e um trecho da proclamação da junta militar. Do primeiro ao derradeiro registro radial, dez horas de violência constitucional. 

Por fim, a abordagem da trama sígnica e sonora tornada memória social, que revela-se política. Um tenso campo de disputas de sentidos a partir dos discursos e representações sonoras do último dia do socialismo democrático no Chile. Como escreve Mônica, "Quem fala o quê? Quem pode falar? Quem se cala sob o efeito do discurso autoritário da junta militar? Estas memórias radiofônicas põem intensidades diferentes em cada emissão vocal com seus timbres, acentos e tons próprios; significam-nas como lugares simbólicos e de luta".

Sobreviver por longos 3 anos, submetida a toda espécie de covert actions foi uma epopeia da Unidade Popular. Ao final, Salvador Allende se vê cercado e assediado no palácio presidencial, isolado politicamente, apoiado por um punhado de companheiros que integravam o GAP, grupo de apoio ao presidente. Sustentou uma luta desigual por cinco horas, em que os Hawker Hunter foram finalmente decisivos. Nunca uma fala foi tão sinteticamente macabra como o comentário final do general golpista Javier Palácios, "missão cumprida, La Moneda tomada, Allende morto".