12 julho 2018

Distorções e completudes




Há precisos 75 anos as forças soviéticas começavam a rechaçar de maneira irreversível o invasor nazista, no longo começo do fim dessa ideologia nefasta. Torna-se importante retomar esse tema pela retomada das práticas políticas de fundo fascista que se disseminam pelo mundo, associadas às práticas econômicas neoliberais, o liberalismo levado às últimas consequências, em detrimento do ser humano. No vácuo desse procedimento que varre a liberdade impondo suspeições e limites ao intelecto, viceja a mediocridade, a farsa, o temor pelo futuro. Os imigrantes são violentamente reprimidos, com a chancela da discriminação estampada na testa, sem direitos nos lugares em que aportam. Isso em razão do pensamento tosco de que ocupam os postos de trabalho cada vez mais escassos, sendo por essa razão responsáveis pelo desemprego da população local. O território, mais do que a nação, passa a ter um conjunto de donos exclusivos, “por direito”, ainda que não tenham a posse legal, nem possam alegar que sejam proprietários morais. Esgrimem com canções xenófobas, numa espécie de nacionalismo racial, onde sua cultura e seus costumes devem prevalecer. O advento Trump foi a chave que abriu as portas do inferno, permitindo que fantasmas de corpos fenecidos ressurgissem, promovendo a intolerância e o preconceito que se supunham sepultados em definitivo.

Os palpites ganham contornos de opiniões avalizadas, e parece que quanto mais rancor, mais aderência ganham, como se a reminiscência de um ódio atávico ganhasse o direito de ressurgir, com a virulência que fosse adequada. Contribuiu para esse estado de coisas os exageros radicalizados disseminados em massa e prolongadamente pelas mídias corporativas. A dimensão cuidadosa do jornalismo, o limite ético da notícia, desapareceram à medida que os bons negócios da especulação sensacionalista ofereceram o caminho da sobrevivência. Ledo engano, a histórica revista Veja, que nos seus últimos anos incorporou uma lamentável aura de exemplo do anti-jornalismo, começa a fechar suas portas. Igualmente Folha de SP, O Estado de SP, Globo, sobrevivem à custa de verbas de publicidade de um governo golpista, já que suas tiragens desabaram irreversivelmente. Trata-se de uma dentre tantas instituições que perderam a relação com a população. O sistema de um capitalismo crescentemente totalitário subverte os valores éticos, tornando as instituições públicas suas instituições, funcionais não pela prática da justa competitividade, mas pelos privilégios auferidos, em grande parte pela corrupção moral, quando não financeira. Assim, sucumbem a classe política, a classe jurídica, as empresas de comunicação, em nome de algo vago que impõe os valores objetivos da produtividade, da concorrência, da rentabilidade financeira.

Alguns personagens surgem como arautos desse sistema obtuso, como João Dória. À parte seu exercício autonomeado como empreendedor de sucesso, sem abandonar a prática empresarial, adentra a prática política redefinindo as funções da administração pública, praticamente subordinando-a aos sabores do mercado. Em suma, não é mais a demanda social que define a política pública, mas os interesses do capital, e por essa razão, não há mais motivos para a relação popular, bastam as relações corporativas. No mesmo sentido surge o juiz-promotor de Curitiba, de primeira instância, que igualmente impõe uma prática jurídica de subversão às leis e à hierarquia, em favor de interesses ainda a serem esclarecidos.

Paralelamente a tudo isso, visito meus pais, após um interregno de três semanas. Vejo-os muito bem, minha mãe saudável e mais animada, meu pai forte e bastante bem para seus recém-completados 87 anos. A memória se esvai lentamente, principalmente aquela que não se liga diretamente com os acontecimentos de sua juventude, como a família, o futebol, a casa onde vivia, coisas simples e singelas, que lhe significavam muito. Em contrapartida, as relações com a vida bancária de quase 40 anos desapareceram, ficando marcas indeléveis apenas em suas passageiras imagens alucinatórias, que por certo perdurarão até o fim. Com firmeza e atenção aos detalhes da casa e da vida, minha mãe segue no comando da nau e rege o ritmo da casa, como sempre fez.  



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