Cabeza de la Montaña, Guayasamín
Atravessamos
um tempo em que, por mais que se resista, por mais que se denuncie, os poderes
consolidados em nossa América Latina permanecem inabaláveis. Em Buenos Aires,
uma multitudinária manifestación contra o
acordo do governo Macri com o FMI não é capaz de criar qualquer mal-estar junto
ao oficialismo. Aqui no Brasil, um juiz de primeira instância no gozo de suas
férias é capaz de impedir de maneira imperial a decisão de um desembargador,
ainda que esta fosse posteriormente questionada nas instâncias jurídicas
superiores. O que quero dizer é que esse juiz não se mostra nem um pouco
incomodado com as normas jurídicas, ou com os crescentes questionamentos de suas
decisões, prosseguindo inabalável.
Essa
espécie de sociopatia do poder parece uma condição indispensável para o poder
aliado aos interesses financeiros galopar sereno em meio aos seus atos, por
mais questionados que sejam. É como se a mão invisível do capital especulativo
provesse de garantias absolutas o suave desfazer constitucional, impondo a
ferro e fogo seus caminhos para a rapina desavergonhada e, ao que parece,
decisiva, para o sucesso corporativo. É como se o capitalismo estivesse
fatigado da competição, e no melhor modelo flibusteiro do século XVI, tomasse
de assalto as fontes provedoras de riquezas para seu usufruto. Assim, vale o
ataque ambiental, vale a eliminação massiva de postos de trabalho, vale a
repressão ao debate de gênero, vale o assalto ao patrimônio do Estado, vale a
mentira noticiosa na mídia corporativa como elemento discursivo, vale a
indiferença absoluta à miséria escancarada nas ruas, porque os agentes dessa
sofisticada espoliação têm seus interesses silenciosamente resguardados.
Por
mais que os indicadores de confiança na economia tenham queda generalizada, por
mais que a prevaricação esteja na ordem do dia, por mais que esses men
in black ao redor alimentem a ignorância bolsonárica, nada parece
impedir o avanço dessa miserabilidade sistêmica. Como argumenta o professor
Fábio Comparato, a característica do totalitarismo na contemporaneidade é a destruição pelo poder público das estruturas mentais e institucionais
de um povo, e a reconstrução de mentalidades e instituições inteiramente novas. Esse poder público passa a ser incorporado por agentes ideológicos
que assomam ao poder de uma forma ou de outra, e acobertados pelo capital
financeiro, dissolvem os critérios tradicionais de moralidade e as virtudes
costumeiras de um povo, para implementar a razão de suas práticas corporativas.
Poderia prosseguir no desenvolvimento deste argumento em seus objetivos mais
específicos, mas aqui não é o lugar apropriado, ficaremos apenas na indicação
do objetivo geral.
O
certo é que não se retoma uma proposta totalitária nos moldes nazifascistas já
derrotados, mas uma nova ação deletéria, silenciosa, atraente,
quase invisível, que conquiste de maneira eficiente os corações e mentes,
desestimulando o mais débil questionamento de seu poderoso processo de
expropriação.
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