Cena do filme Viramundo (1965), de Geraldo
Sarno
Em meio a
comemorações esvaziadas, em mais uma copa do mundo, a pergunta que hoje não
quer calar: o que significa torcer para uma seleção de jogadores que,
hipoteticamente, representam uma nação chamada Brasil?
A cada
dia esse exercício de identificação não passa de uma prática vazia,
sem qualquer significado relevante. Em tempos de ditadura do capital
financeiro, em conjunção com a ganância das grandes corporações, o que sobrou da
identidade nacional transforma-se em mera subordinação aos vultosos
investimentos, onde 22 jogadores vestidos de verde e amarelo não representam
mais do que suas esquálidas ambições profissionais, habilitados a mobilizar uma
imensa rede publicitária que exprime a razão de ser do torneio.
São
tempos em que o futebol, como esporte popular, é segregado de seu contexto
social e, higienizado, passa a representar os mais segmentados desejos de
consumo, que vão dos utensílios materiais utilizados pelos jogadores, à imagem
bem-acabada deles mesmos, como signos vencedores do sistema. Já não faz mais diferença se é isso ou aquilo, se esses jogadores são modelos da razão neoliberal no lugar de representantes de ideologias ou sistemas sócio-político-econômicos distintos. Se se perdeu alguma coisa pelo caminho, isso escapa à percepção cada vez mais estandardizadas dos indivíduos à deriva.
O ideário da brutalização cotidiana penetra no tecido social visando a naturalização das desgraças, essa a viabilidade do neoliberalismo que se robustece pela espoliação e pela especulação. Como subproduto do capitalismo, promove a concentração de capital como uma alternativa "moderna e eficiente" para o bem-estar, e por esse caminho avança com a retirada de direitos trabalhistas, a privatização dos recursos naturais, a segregação social privilegiando "os mais capazes", a criminalização dos sans papiers, os indocumentados, em outras palavras, os imigrantes.
O ódio não surge do movimento súbito e articulado de proto fascistas enrustidos em cada sociedade, mas de todo um conjunto institucional que facilita a voz dessa gente. O ódio é parido como uma forma de desarticulação, como a desvelar uma espécie de totalitarismo que propõe a reconstrução total da sociedade, com nova mentalidade, com novas instituições. O ódio das ruas de Berlim no início dos anos 1930 ressurge com outras roupagens, legitimado pelos mesmos descompassos sociais. E a omissão parece ser o catalizador desse movimento destrutivo, por isso não consigo mais compreender os sentimentos de uma copa do mundo a partir dos referenciais que a geraram no final dos anos 1920, e que de algum modo permaneceram até a última copa dos anos 1980.
A falácia golpista de nossa recente história se junta aos descaminhos autoritários do mercado neoliberal, e a copa do mundo não se faz mais do que um espetáculo cientificamente reestruturado para entreter as ovelhas antes que sejam devoradas.
2 comentários:
Y así... Tal vez, desde nosotros ("los hinchas") el deseo y la necesidad de pertenecer. Y tal vez ya no importa de qué forma, mientras tenga alguna forma. Pertenecer. Un deseo y una necesidad enmascarados. Mientras sea, mientras dure la ilusión, ya no importa la forma, y la sacrificamos, a costa de la esperanza.
Saludos de años en años a don Bullit!
Gracias Daniela!
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