21 novembro 2015

Sobre a incompletude midiática



Já não se trata mais de apresentar o desequilíbrio do discurso midiático e sua ação desinformativa, esta etapa ficou para trás. Pelo menos desde pouco antes das eleições de 2010 já era possível perceber uma movimentação do tipo ‘ordem unida’ dos grandes veículos, trabalhando de modo acintoso na construção de seus pontos de vista. Segundo Jessé Souza, sociólogo, houve o sequestro da opinião de uma parte da classe média, e simultaneamente a isso, já que não foi possível a vitória nas urnas, forçar uma crise institucional via judiciário, com toda a repercussão garantida pelos jornalões, revistas e redes de TV.

Em julho de 2011, em um artigo escrito por mim e Mônica Nunes, Xenofobia e Participação Política nas Mídias Digitais, apresentado no Congresso Internacional Ibero-americano de Comunicação – Confibercom[1], já esboçávamos uma preocupação com o movimento tendencioso das matérias de capa dos jornais, um mês antes das eleições (setembro de 2010). Pouco antes, em março do mesmo ano, Gilberto Maringoni na Carta Maior relatava um encontro do malfadado Instituto Millenium[2], e destacava o que seria o comportamento midiático naquele ano, “Quem assistiu aos debates não deixou de ficar preocupado. Aos arranques, os pitbulls da grande mídia atacaram toda e qualquer tentativa de se jogar luz no comportamento dos meios de comunicação”.

As consequências estão aí; agora, se trata de ultrapassar os limites razoáveis do bom senso, e de modo corporativo, muitas vezes as manchetes dos principais jornais coincidem palavra por palavra, transformar suspeitas em verdades, calúnias em argumentos, distorções em práticas usuais. Em uma postura que encontra no cinismo a expressão mais adequada para este momento de transição (estertor?), os meios tradicionais promovem uma escalada na manipulação das notícias. Este ano não foi fácil para a sustentabilidade constitucional, os ataques fugiram do controle, com os editoriais midiáticos difundidos de modo feroz por arautos do fim do mundo, que modelaram setores da sociedade civil, culminando com as marchas de 15 de março pelo país. O horror dos movimentos conservadores pré-golpe de 1964 regurgitaram com fúria, ganhando repercussão em parcelas da sociedade.

Um partido em especial torna-se deliberadamente o alvo das mazelas reais ou imaginárias, e de modo mais perverso, personagens como os filhos do principal líder desse partido, sofrem com denúncias infundadas ou não provadas. Felizmente toda essa mobilização pautada pelo rancor foi lentamente perdendo legitimidade, e a aprovação pelo Congresso Nacional da instituição do direito de resposta às falsas denúncias (calúnia e difamação) ameniza o furor do ódio e, se não me iludo, recompõe alguma serenidade ao debate político. Os ataques retomam o tom de oposição republicana, o que é o mínimo que se pode esperar. Todavia, o uso do cachimbo faz a boca torta, tanto as informações jornalísticas quanto as delações jurídicas prosseguem seletivas, atendendo a interesses corporativos, ou a grupos privilegiados da sociedade. Seja como for, o discurso midiático alcança seu mais abusivo momento de irresponsabilidade. 

Sem qualquer esforço para transmitir mais do que um registro calculado dos acontecimentos, a recente catástrofe provocada pela mineradora Samarco apareceu na mídia tradicional como uma tragédia a se lamentar. Foi impressionante se ver, nas redes sociais, o registro do cenário, por moradores de Resplendor, de toda a dor e a devastação ocorrida no rio Doce. Em sua mobilização a partir das plataformas sociais, conseguiram o que a Globo com sua fartura tecnológica não conseguiu. Ao contrário quando, dias mais tarde, a força emotiva ganhou todo o espaço na grade com os atentados em Paris. Jornalistas foram deslocados para sentirem in loco mais uma fermentação de pânico pelo terror a tomar conta da cidade. Mais uma vez foi patético acompanhar as expressões e as falas dos plantonistas, empurrados pela especulação e alimentados por uma incipiente audiência.

Ainda em relação ao texto que escrevi com Mônica em 2011, confirma-se a amplitude cada vez mais consistente das mídias digitais, sepultando aos poucos o que sobrou dos meios tradicionais, de cunho patriarcal. Eles fenecem por não saber se adaptar a um mundo mais versátil, disperso – e não direi aqui fragmentado – que propicia mais acessos, mais possibilidades de mobilidade. Se há quinze anos me incomodava pelas previsões do fim da mídia analógica, afinal me constituí sob os auspícios de seus grandes cronistas, hoje não nego minha satisfação em vê-la quase como um entulho a ser varrido. 

Não penso mais no embate contra os arautos do catastrofismo. Esses, de pretensa inspiração liberal, promovem o ódio e a desinformação. Fico à espera de que desapareçam naturalmente, pois quando deixarem a bancada, fenecerão mais depressa do que os veículos que os contrataram. Preocupo-me com o que vale a pena, com meus educandos, com a construção de um processo educativo no caminho da ação e da liberdade, inspirado por Paulo Freire. E assim é. Ao meu lado, um bom companheiro de consultas, o grosso volume do livro de Pascual Serrano, Desinformación – como los médios ocultan el mundo, que me informou nestes anos sobre a insustentabilidade de tanto sectarismo midiático.

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